Monthly Archives: October 2017

Descrevendo um boi

bOI

Como começar a descrever um boi? Dando a ele o nome de boi.

Abro as abas dos dicionários, livros, sites de pesquisa e de imagens antes de começar a escrever. Sei que precisarei recorrer para buscar a palavra adequada, verificar uma referência, me inspirar. O dicionário de sinônimos é um dos sites usados pelos escritores, afinal é um erro repetir, um vício de linguagem.

O português é uma língua rica, mas de nomes esquecidos. Uma características dos nativos de língua inglesa é a fascinação pelos sinônimos, por aprender outras formas de dizer as mesmas palavras. Na escola há competições de spelling bee, os competidores precisam conhecer palavras incomuns, as pessoas jogam scrabble, um jogo em que o que conta é o tamanho do vocabulário. Além do fato do inglês ser uma mistura de várias línguas que eram usadas em concomitância antes da consolidação do idioma.

O mesmo não acontece com o português, nossa cultura é diferente, não damos tanto valor ao estabelecido. Há quem ache importante não deixar o vernáculo morrer, há quem discuta que a língua é um organismo vivo e deixemos que viva com liberdade, se recrie a partir do hoje. Nós somos pródigos em cunhar palavras, regionalismos, nomes próprios. Será que Guimarães Rosa seria Guimarães Rosa se não fosse brasileiro? Lógico que um bom conhecimento do vernáculo é importante para o escritor, não precisa ser só isso no entanto.

Com a massiva difusão de livros de nativos de língua inglesa, ou que são traduzidos para o português através do original em inglês, o tradutor se depara com termos que se usados literalmente ficariam assim: “tinha um brilho brilhoso”, ou “tinha um brilho rutilante”, o primeiro é uma redundância, o segundo pode estar mais próximo do original, mas provoca uma pausa na leitura ou pode não fazer sentido ao público ao qual se destina. Óbvio que um ou outro termo menos comum é interessante para se colocar num livro. O leitor aumenta seu vocabulário. Como dizer que o rio coleava ao invés de serpenteava. Mas não em todas as linhas, em todos os parágrafos, ou a leitura ficará cansativa e desinteressante.

O que isso tem a ver com dar nomes aos oxen, digo, bois. Palavras generalizantes ou com significados distorcidos são usadas para evitar redundância ou causar a tal “estranheza”. A história causa estranheza, as palavras mal colocadas causam desinteresse do leitor. O escritor em português, amador, iniciante, muitas vezes usa o termo generalizante quando quer falar do específico, por exemplo, por causa dos manuais de RPG e livros mal traduzidos ou porque, ao invés de mudar a estrutura da frase, prefere usar uma palavra que pretenda deixar o leitor em suspense e que, na verdade, leva o leitor a suspender a leitura.

  1. “Pelo contorno da figura, podia-se dizer que era uma pessoa”.
  2. “A figura lançou um coquetel molotov em direção ao tanque”.
  3. “Ela tinha uma bela figura, expressão confiante no rosto e andar seguro”.

No caso do número um, a redundância de contorno e figura. “O contorno de uma pessoa, podia-se dizer”.

No caso número dois falta clareza, a primeira acepção da palavra figura não significa a forma de uma pessoa, refere-se à forma de qualquer corpo ou ser, uma barata, um alienígena. A não ser que seja isto mesmo, que o autor esteja se referindo a uma criatura fantástica ou desconhecida, a palavra é inadequada. Um ser humano jogou o coquetel molotov, então é preferível dar nomes aos bois. “A pessoa/Uma pessoa/Um sujeito/A manifestante lançou um coquetel molotov em direção ao tanque.” No terceiro caso está claro que a palavra figura se refere à segunda acepção da palavra, aparência de alguém.

“O castelo apareceu por entre as brumas da manhã. Os muros altos, cujas paredes eram feitas de pedra, cercavam a cidade e protegiam a construção no seu centro”.

Fica melhor assim:

“A névoa da manhã se dissipava. As torres ficaram visíveis e, em seguida, a muralha de pedra que protegia o castelo e a cidade ao seu redor”.

Se a escolha da palavra não está ligada ao ritmo dentro da sentença/parágrafo, sensação de não inclusão ao ambiente ou ao nome do lugar/pessoa, o ideal é que usemos a palavra mais comum, neste caso névoa é melhor do que bruma. Já uma muralha é um muro alto espesso geralmente feito de pedras. Por fim, se o castelo estava atrás dos muros, não foi ele que apareceu primeiro, foram as suas torres ou as torres de vigilância da própria muralha.

“A criatura se aproximou com suas oito patas e um corpo gigantesco e monstruoso. Fumaça saia de suas narinas.”

Se é um monstro, deixe claro na primeira menção. Fumaça não é a palavra certa, a não ser que se trate de um dragão. Seria interessante economizar adjetivos e descrever com metáforas, mas não vou usar no exemplo, só colocar um pouco de tempero para melhorar o resultado:

“O monstro se aproximava. Quando uma das oito patas gigantescas tocava o chão, as paredes tremiam. A criatura arfava de raiva, um bafo quente e podre.”

Procure a palavra certa, coloque na ordem certa de importância. Seja direto, simples e claro. Vocabulário inadequado ou escasso, faz com que a nossa ideia chegue distorcida ou não chegue ao leitor. Por outro lado, ter um vocabulário muito amplo não significa que dominaremos a língua, precisamos saber como usar as palavras numa frase, ter noção de conjunto, ritmo etc.

Links de outros artigos que falam do uso das palavras.

A Inconfundível Clareza do Ser – Dicas para o escritor iniciante – 18

IMERSÃO – EXPLORANDO OS CINCO SENTIDOS – DICAS PARA O ESCRITOR INICIANTE 31

A Força da Palavra – Dicas Para o Escritor Iniciante 17

Reino Sem Fim – RPG e ficção escrita – Dicas para o escritor iniciante 24

NINGUÉM É OBRIGADO A LER SEU LIVRO

Leitura Crítica

Primeiro dia na casa nova. Que sensação incrível a de começar uma nova vida! Depois de carregar todas as caixas e tralhas para dentro, você deita no colchão que ainda está embrulhado em plástico e, enquanto descansa, pensa onde colocar suas coisas. Sensação parecida a de quando vem à sua mente uma ideia para um livro ou conto novo e você começa a planejar como escrever.

Os próximos dias, semanas serão de intenso trabalho, desempacotando, limpando, colocando móveis no lugar, limpando, organizando as coisas nos armários, limpando. Isso se você pegou férias no trabalho. Se precisa trabalhar, seus finais de semana deixarão de existir por um ou dois meses. Com prazer você vê sua casa nova ganhando forma. Obervar o desenrolar da sua história, o desenrolar de personagens não é diferente. Aquele móvel não cabe nesta parede, aquele parágrafo fica melhor na página seguinte. Aquele abajur não combina com nada é melhor dar embora, aquele diálogo não tem importância é melhor eliminar.

Casa pronta você chama amigues para um almoço. Mostra a casa, abre os armários novos da cozinha. E começam os palpites.

Por que você não coloca o fogão do lado da pia no lugar do aparador?

Se você mudar a cama para o lado que bate sol, evitaria problemas de ácaros no colchão, sabia?

As paredes da sala, você podia pintar de bege?

A não ser que você seja uma pessoa muito teimosa rejeitará todos os conselhos que lhe derem. Afinal, é prático ter o fogão ao lado da pia. Colchões e travesseiros precisam tomar sol de vez em quando. Bege, bege não, ninguém merece. Seus amigos são os leitores betas, aqueles que dão palpites de como melhorar seu texto.

Entrou um dinheiro extra, férias, 13o. Vamos reformar a casa para ficar nos trinques. Você contratara uma arquiteta, é caro, mas vale a pena, ela fará você economizar um bom dinheiro na reforma, talvez mais do que os 5 ou 10% que normalmente cobra. Esta é a função da leitura crítica. Especialista que analisará o ambiente em que se passa sua história, avaliará os espaços necessários para cada parte e personagem, se o material tem o volume necessário, principalmente a quem você quer agradar ou fazer se interessar pelo seu livro. Como você gostaria que as pessoas percebessem a história, confortável ou desafiadora, clássica ou conceitual.

Por fim, a decoração. Aquele cantinho que está escuro ganhará um abajur, a parede da sala um quadro novo. Aquele tapete de crochê horroroso será um bom presente para a pessoa que gosta de paredes beges. Revisor-copidesquista, uma pessoa que vale por duas, dará o toque final para que tudo fique lindo.

Você não sai pela rua convidando gente estranha para sua casa nova, chama a primeira arquiteta ou pedreira da lista do Google. Como escolher amigues e profissionais para palpitar o seu livro?

O que esperar da leitura beta?

Primeiro e mais importante. NINGUÉM É OBRIGADE A LER SEU LIVRO.

Segundo, porque ninguém é obrigado a ler seu livro, melhor contar com amigues, pessoas próximas, se possível colegas escritores. Quatro ou cinco leitores betas são interessantes, porque pelo menos dois darão retorno.

Devo estabelecer prazo para leitura?

Se você for escritore com editora e tiver um prazo de entrega não tem como não marcar uma data fixa. Você precisará de tempo também para a leitura crítica e a revisão.

Se não existir um prazo de entrega, estabeleça um prazo flexível, mas limitado, dois a três meses para um livro, duas a três semanas para um conto. Você pode perguntar se não é muito tempo. Não, porque leitores betas tem outras coisas para fazer e estão fazendo um favor, então seja paciente.

Como cobrar a leitura beta dos meus amigues?

Com muita educação e gentileza, sendo direto e curto na formulação. Não deixe as pessoas desconfortáveis com explicações detalhadas do motivo de precisar com urgência saber o que pensam sobre a “obra prima” que escreveu. Cobre duas vezes no máximo e esqueça, seu amigue teve outras coisa para fazer, não foi desta vez que poderá te ajudar, agradeça a oferta mesmo assim porque NINGUÉM É OBRIGADO A LER SEU LIVRO.

O que esperar de uma leitura beta?

Há betas revisores, que apontarão erros gramaticais e de sintaxe além de fazer uma avaliação breve do seu trabalho.

Há betas comentaristas, que criarão balões de comentários a cada parágrafo.

Há betas resenhistas, que farão uma resenha do livro/conto com introdução, dois parágrafos e conclusão.

Há betas leitores críticos, que analisarão as falhas e farão um resumão das possíveis mudanças.

Há betas concises, escreverão um parágrafo sobre o que acharam e só.

E misturades, beta que revisa e critica, beta que faz resenha e análise etc.

Qual o melhor? TODOS.

Nesta fase é bom ter quantos palpites conseguir, betas com diferentes abordagens ajudam ainda mais. Se precisar de avaliações extras, pois não sentiu que foram suficientes, procure por novos betas.

Agradeça muito, sempre, porque NINGUÉM É OBRIGADO A LER SEU LIVRO E GOSTAR.

Como seguir as sugestões

Antes de rejeitar um palpite que você não gostou, pense bem, reflita, reescreva. Se não gosta de parede da sala bege, não pinte.

Por último, ofereça para retribuir o favor lendo o texto de amigues.

Como escolher Análise Crítica e Revisão

Primeiro. Leitura crítica é um serviço pago, então pode ser cobrado dentro do prazo. A data da entrega do relatório deve ser discutida entre as partes.

Uma boa forma de encontrar ajuda profissional é pedir indicações de amigues escritores e perguntar como foi a resposta recebida.

Cada profissional tem seu jeito. Um relatório geral faz parte do serviço, às vezes detalhado por tópicos como estrutura narrativa, personagens etc., outras a preferência é por incluir estas observações como comentários dentro do texto.

Envie para o revisor uma cópia do arquivo, o bom revisor nunca altera o seu texto, ele faz marcações como letras em cores diferentes e tachados para apontar falhas e sugerir mudanças. Não corrija no texto revisado, faça também uma cópia com a revisão e passe a limpo.  

Evite profissionais não-profissionais, que não tenham carreira na área, ou formação, há muitos charlatões infelizmente. Como aquele prime decoradore que resolveu fazer um curso de decoração no youtube e agora cobra para dar palpites não muito diferentes do tapete bege.

Pesquise, pergunte, afinal é o seu dinheiro.

Mais sobre leitura crítica e revisão nestes links:

Como fazer a revisão de um texto (1)

https://www.wattpad.com/188142087-quero-ser-escritor-20-o-rascunho-1-revis%C3%A3o-e

https://www.wattpad.com/193587897-quero-ser-escritor-21-rascunho-2-leitura-cr%C3%ADtica

As pessoas não entendem o que escrevo então f$¨*-%#

Por que ter trabalho e dor de cabeça com leitores betas, revisores, leitores? Se apresentar para as editoras e for aceite elas cuidarão desta parte. Você decidiu se autopublicar, portanto quando o livro for lido e resenhado receberá sugestões para melhorar e pode publicar uma segunda edição, enquanto isso ganha dinheiro, não gasta.

1- Para ser escolhido por uma editora que pague pelo seu texto(*), ele precisa se destacar e muito, porque a concorrência é grande, além de outros profissionais de qualidade, a aspirante ainda enfrenta escritores com QI, youtubers etc.

2 – O mercado editorial brasileiro é pequeno e você pode acabar se queimando com os agentes literários por causa da falta de cuidado.

3 – Há um mar de blogueiros e vlogueiros literários, os que têm mais acessos cobram caro, dinheiro, além de marcadores e livros. E se o retorno for negativo? Como fará para se recuperar emocionalmente das críticas.

4 – Auto publicação não é desmérito, mas o cuidado deve ser redobrado, já que não terá um editor por perto para aconselhar.

(*) O contrário não é decente, ninguém deve pagar para editoras, editoras pagam ao autor não o contrário, as Vanity Presses são só gráficas que fazem uso de corretor automático.  Link de um podcast muito esperto que fará aspirante a escritore ficar esperte também.

CabulosoCast #179 – As Armadilhas Editoriais

Não precisa chorar, não foi de propósito

Não leve o trabalho dos profissionais para o lado pessoal, seja tão profissional quanto eles, analise as sugestões e dicas e faça as mudanças necessárias para melhorar seu texto. Tire proveito do dinheiro gasto. Se necessário deixe derrubar a parede e faça uma nova, lide com o entulho.

PAGOU PARA OUVIR CRÍTICAS, AGUENTA FIRME.

Ao fim de muito trabalho e caçambas de tijolos e azulejos, sua casa ficou perfeita, do jeito que você sempre sonhou. Seu livro ficou uma maravilha e não há cartão de crédito que pague pela sensação de um trabalho bem feito.
PS.: Agradeço de joelhos todas as críticas que recebi de amigues betas e críticos. Sem elas eu não seria a escritora que sou hoje, não teria a coragem para realizar um sonho de infância às vésperas do outono de minha vida.