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Falar como um Pirata

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OLHE ESSES BONS MODOS, PARVALHÃO!

Como se comportar numa taverna de piratas ou num navio

Cuspa no chão. Nunca coloque uma escarradeira para as pessoas cuspirem, é muita frescura e você pode ser convidado a se retirar pela porta ou pela prancha.

Não ande em linha reta, quem anda em linha reta não está acostumado ao mar, mostre desprezo pela terra firme.

Vista-se muito bem, com as melhores sedas e veludos, ou vão descobrir que você nunca saqueou um navio.

Seja arrogante, afinal, ninguém manda em você. Uma pessoa livre, com dinheiro e bem vestida deve se impor. Olhe para os outros como se tivesse dois metros de altura.

Feder é importante, misture o cheiro de maresia com um pouquinho de sangue, acrescente um toque de madeira em uma boa dose de rum, cubra tudo com aquele perfume esquisito que encontrou no último navio que saqueou. Por favor, não tome banho.

Reclame do nada. Bata com força nas costas dos outros. Chame seu amigo de mandrião, valdevino, biltre, parvalhão e acrescente outra palavra de escárnio – mandrião com escorbuto, valdevino fedorento, biltre adernado (embriagado) como a sardinha que caiu no barril de rum.

Seja rude o máximo possível, não se importe de ferir sentimentos:

“Senta na faca, bucaneiro! Deixa de ser donzela!”

Crie expressões com o mar de referência.

“A  beleza a bombordo está esperando para alisar minha barba?”

“Tu estás escondendo algo no fundo do barril! – Sai-te daqui rato.”

 

BARRR, PORTUGUÊS, ENROLE ESSA LÍNGUA, ESTULTO!

Pois é, não é fácil traduzir o falar do pirata para o português. Misturados ao inglês, havia o alemão, o “dutch”, o francês. Todas estas línguas utilizam sons guturais, do fundo da garganta, o português brasileiro é falado da boca para fora, poucos sons são profundos nesta língua adocicada pelas influências indígenas e africanas.

Seja malandrão, metidão e cante as palavras. Ora, se você está todo ‘cheiroso’ e pimpão na sua roupa nova é melhor fazer de conta que fala direito, mesmo que nunca tenha conjugado um verbo na vida.

Fale alto e gesticule, fica difícil ouvir em mar aberto. O rum, o fumo e a vida no mar tornam a voz mais grossa e rasgada. Como se um prego estivesse alojado em sua garganta.

Aperte os erres, não como uma pessoa do interior, pigarreie.

Use tu também para o plural vocês.

Se possível substitua o Eu por me, “me enfio a faca no mandrião barbudo”, “me pegou pelo nariz esta catarreira” 

 

AHOY

Algumas palavras que não precisam de tradução, só explicação, elas já fazem parte da cultura pirata.

Ahoy! – Olá

Avaste! – Pare, chega para lá, deixa disso, sai dessa.

Errrrr – Estou feliz, tá tudo indo bem, minha cerveja está ótima, a comida está demais. Ou quando você não liga a mínima para o que estão falando, mas quer disfarçar.

 

CRACAS

Ale  – cerveja. “Dois ales, que meu amigo lá no fundo vai pagar”.

Amarre – pare de falar, pare de fazer. “Amarre. Nuca ouvi tanta asneira de um filho de Kraken.”

Atracado – quem não gosta de mar, também usado para pessoa que é idiota, estúpida.

Atracado! Vem cá que vou lhe ensinar um nó ou dois.”

Beleza – mulher, moça, prostituta. Os primeiros piratas não tinham essa coisa de mulher a bordo dá azar. Bobagem. Muitas mulheres foram piratas, a maior frota pirata que já existiu tinha quase 10 mil navios e era liderada por uma chinesa. “Eia, claro que estou te ouvindo, beleza.”

Bumboo – bebida a base de rum diluído em água e noz moscada. “Um bumboo bem temperado, aqui mandrião.”

Capitão – qualquer chefe. “Quem disse que jogo sujo, capitão?”

Catarreira – gripe. “Me pegou pelo nariz esta catarreira.

Dê um nó – conclua. “Dei um nó mandando o biltre comer craca.”

Eia – Concordo com tudo o que disse mesmo não prestando atenção. “Eia, claro que estou te ouvindo, beleza.”

Eia, eia – entendi e vou, assim que terminar o que estou fazendo. “Eia, eia, estou enchendo a pança, avaste!

Ensinar um nó ou dois – dar uma lição. “Atracado! Vem cá que vou lhe ensinar um nó ou dois.”

Filho de um Kraken – bastardo “Amarre. Nuca ouvi tanta asneira de um filho de cracker.”

Grogue – rum diluído em água. “Dois grogues, o amigo lá no fundo vai  pagar.”

M’ia e m  – minha/meu -– m’ia beleza, m’carro. “M’navio  é a m’ia vida.”

Mostre a perna! – acorde! “Mostre a perna! A beleza disse ahoy para tu.”

Peças de oito – prata. “Não me interessam suas peças de oito, dê cá o tabaco e o rum.”

Palito – marujo inexperiente. “O palito nem sabe subir na tolda!”

Pilhar – pegar dinheiro. “Vamos pilhar o navio a bombordo depois afundá-lo.”

Por uma pinta naquele sujeito – matar. “Pusemos pinta em todos os corsários do rei.”

Rato de porão – pessoa inferior. “Aquele rato de porão me pilhou no jogo. Vou pôr-lhe uma pinta agora mesmo.”

Se esperte – corra ou vai perder o navio

Ser pilhado – pagar. “Aquele rato de porão ganhou nas cartas eu fui pilhado. Vou pôr-lhe uma pinta agora mesmo.”

Tá difícil tirar a tampa do barril – a vida está complicada, difícil de resolver. “Estou sem navio, tá difícil tirar a tampa do barril”.

Tirar a rolha do barril – descobrir alguma coisa, revelar, desvendar um segredo.

Tremer a madeira – estar preparado.

Venão – vingança.

Um coco, uma água viva, uma pedra. – NA TABERNA DO CAPITÃO DESTROÇOS

ogumé

 

– Avaste! Uma caneca para este parvalhão e outra para o marujo perneta!

Nunca que queria estar no mar. Voar com as gaivotas, isso sim. Mas deram-lhe um nome mareado: Timbo, pois sua mãe só sabia que o pai era pirata e andava atrás de galeões espanhóis por toda a costa do Caribe e mais ao Sul, onde os navios partem carregados de ouro e voltam transbordando escravos. Timbo conheceu alguns escravos transbordados, postos para afundar com suas grossas correntes ainda presas às pernas, como o negro  ao seu lado: Ogumé. Depois que aprendeu o idioma dos mares, Ogumé contava como um golfinho salvou-lhe a vida.

– Ioho, bobalhão! Como perdeu a perna? Comes-te? Estava apetitosa. – Pergunta o do bigode em voltas recolhendo outra caneca do balcão.

Profusão de risadas desta comunhão entre homens, seguros de si, ateus e sem família, com suas belezas no colo. Tudo era sujo neste canto do mundo, porto sem misericórdia que escondia a escória, a mesma que sustentava o luxo do continente distante, frio e encoberto pelo mal tempo, físico e moral. Janelas pequenas para sombrear ainda mais o que já era escuro, mesas tão batizadas pelas bebidas que quando ao final de seus dias, servissem de lenha, dariam fogueiras altas o suficiente para assar o Paraíso Celeste. Os dois velhos contavam histórias e tinham muitas, tantas quantos os meses que viveram. O taberneiro conhecia todas  de cor e as reproduzia àqueles que vinham procurar e não achavam nem Timbo ou Ogumé.

– Vai contar ou não mandrião! – reclama o cliente.

Nem se requeria tamanho incentivo, os dois velhos lobos viviam de restos e de histórias. Se alguém perguntasse a idade, adernando da sua rotina não mentiriam, mas não seriam acreditados, tão gastos pelo subir e descer das ondas estão, que a caveira do Capitão Destroços, pendurada na entrada da Taberna, parece mais nova do que eles em pelo menos dez anos.

– Se esperte bucaneiro que a madeira desta espelunca vai tremer com a minha história! – grita Ogumé.

Euforia e algazarra, bater de copos, de pés e de pernas de paus. Sem-Dentes recoloca o olho de vidro só para ouvir melhor. Zigue-Zague pede para a beleza voltar mais tarde, não quer perder nenhum detalhe. Piolho coça as feridas da cabeça na esperança de não incomodarem enquanto Ogumé contar a história. E assim um por um dos quase cinquenta que se apinham na taberna, preparam o silêncio e os “ohs” de surpresa ou incredulidade que irão soltar aqui e ali. Alguns já ouviram esta história outras vezes, por viés de causa, são os mais atentos, na certeza de que haverá mais um detalhe, esquecido ou ainda não imaginado.

Ogumé senta no balcão, mão segurando a faca para dar ênfase, copo de rum na outra para lembrar-se de por detalhes e esquecer o passado. Quando só as ondas batendo nas escoras do píer são ouvidas, ele começa.

– Comi minha perna sim, tinha gosto de banana, eu digo e repito: gosto de banana podre. Mas não foi por vontade. Das savanas de onde vim não há quem coma gente, os animais são grandes e cheios de carne. Vou contar do dia em que comi um elefante inteiro, sozinho. Hoje não. Vou começar do início. “Era não mais do que um rato de porão, fraco das pernas e dos braços, nenhuma mulher tinha me tocado ainda, ou vice-versa. Corria pelas savanas quando fui pescado junto com dois outros numa rede, como um peixe e nunca tinha visto o mar nem sabia que existiam homens sem cor, achei que os deuses estavam bravos comigo por causa de um jarro que quebrei. Levamos um mês para chegar ao porto, no navio que embarcaram outros iguais a mim, não conhecia ninguém. Empilhados, com frio e fome, mal nos mexíamos ou reclamávamos, porque o chicote do branco já tinha nos mostrado onde estava a covardia. Vomitávamos as tripas em alto mar e a febre espalhou-se. Primeiro levaram as crianças pequenas, quase todas. As que sobreviveram separaram, as doentes jogaram ao mar junto com uma ou outra mãe enlouquecida. Então me fiz de doente, tossi, esfreguei o dedo dentro do olho para parecer vermelho, me sentei do lado de um menino com febre e fingi delirar. Dito e feito, no dia seguinte fomos juntos nadar. A desgraça é que estava com ferros atados às pernas, minhas canelas eram finas demais para as argolas dos adultos e largas demais para as das crianças, então enrolaram uma corrente nas duas pernas e deram um nó. E com elas fui afundando. Debati-me para tirar as correntes, os peixes pequenos riam de mim com a sua boca sem dentes.

– Ah! Ah! Estou na história, disse o caolho abrindo a boca e deixando a gengiva lustrosa à mostra.

Gargalhadas e depois apupos pedindo silêncio.

– Os tubarões dançavam à minha volta, estes sim mostravam suas presas afiadas a me desafiar. Urrei uma porção de bolhas me fazendo de leão e para minha surpresa eles fugiram. Senti uma nadadeira nas minhas costas. Um tubarão destemido, e vai me comer… Ogumé faz uma pausa. Tem sempre um idiota com o cérebro já tomado pela sífilis que diz:

– Ahei! O tubarão te pegou.

E outros que replicam:

– Pare de marola. Não vê que ele está aqui, contando a história.

– Não era um tubarão, era um golfinho, por isso os tubarões fugiram. Ele enganchou a nadadeira na minha corrente e me puxou para cima. Sorte minha. Estava quase me afogando, aquele urro me deixou sem ar. Mas não pense que sossegou lá em cima o danado. Subia e mergulhava, subia e mergulhava. Engoli muita água até pegar o ritmo de respirar quando em cima, expirar quando embaixo. Criatura feliz aquela, resolveu dar saltos em pé. Magrinho, isso mesmo, essa montanha na sua frente já foi mais magra que um mosquete. Eu era jogado ao ar, ora para cima, ora para o lado. Batia em mim com a ponta do focinho e eu rodava no ar feito um timão na tempestade, até estatelar na água. Ele recolhia o brinquedo e recomeçava. Foram três dias e quatro noites…

– Não quebrou seus ossos?

– Não que eu soubesse… O bom marujo nasce com cartilagem, não ossos.

– Ahoy! – diz Timbo – Mais uma rodada de rum, que a história está boa.

– Eia, eia. – Ogumé enche e estala o copo no de Timbo e depois faz o mesmo com o do pequeno macaco bêbado e tontinho ao seu lado, Chaminé. – Então, ao cair pela última vez senti a areia sob meu corpo. Pus-me em pé e pulei em qualquer direção, tentei ver a praia, devia ter praia em algum lugar. Tudo rodava, como agora. Não está rodando?”

– Eeeeehhhhh, gritaram todos.

– O golfinho distraído com seus próprios pulos não percebeu que me afastei e eu mal distinguia a ilha na minha frente. – Ogumé desce do balcão saltita para  frente com sua perna boa e roda os olhos nas órbitas, gira os braços, dá mais dois saltinhos e cai ao chão. Levanta-se rapidamente antes que alguém o ajude e continua.

– Cheguei à praia, fora do alcance do golfinho. Dormi por duas noites. – Olha em volta. – Como eu sei? O sol passou e repassou pelas minhas pálpebras. – Faz dois arcos movendo o corpo e a cabeça, como o sol de bombordo a estibordo. Volta a sentar no balcão. – A ilha era tão minúscula que, se deitasse de comprido, molharia a cabeça e os pés ao mesmo tempo. No meio da ilha, um coqueiro fazia uma sombra bem ruinzinha, cheia de buracos e soprada pelo vento. Cocos tem água dentro, vocês sabem.

– Nós sabemos,  pai-velho. – Gritou um moleque emplumado.

– Me chama de pai-velho de novo e te esfolo o saco, fracote.

– Esfola mesmo, que já vi fazer. – Arrematou Timbo.

– Eu estava morrendo de fome e sede, achei que os cocos eram um tipo de fruta. As árvores das savanas são baixinhas, é só agarrar num galho e dar impulso. Mas aquela não, lisa e sem galhos, subia meio metro e escorregava um. Subia e caia. Não bastasse o sol a pino, toda a água salgada que tinha bebido e a areia escaldante, pisei numa água marinha. E “zás”, estava lá em cima do coqueiro. Ô dor! Por Yemoja!” Derrubei os cocos e percebi que havia água dentro deles. Como não era estúpido… – apontou para o moleque. – Ei você! Fracote com o chapéu de plumas. Venha cá.”

O vistoso chapéu se destaca naquele mar de desbotados marinho e marrom, Ogumé quer ter certeza que todos prestem atenção, e dar uma liçãozinha no marinheiro fresco, que não valia mais que a borra no fundo do barril. Está bêbado depois de tomar só dois goles, o estulto. Bem dizia Piaçava: “Um marujo novo é bom para o toco.” O cambaleante menino de não mais que treze anos, todo empafiado pelas plumas e por participar da sua primeira roda de Taberna, onde, achava, ter se dado muito bem, a ponto de mexer com os brios de Ogumé, apresenta-se ao velho pirata com um bater de botas e reverência tirando o chapéu. Gargalhada geral.

-Vou demonstrar como se abre um coco. -Ainda sentado no balcão acerta a coxa direita do menino com a perna de pau.”

– Ui! Ui! Ui! – diz o menino e esfrega a coxa.

– Se você não tira a polpa de que jeito vai quebrar o caroço? A canela deste pequeno só tem osso.

Nova gargalhada. Ogumé desce do balcão e acerta a canela do menino que despenca no chão com a dor. Gargalhada maior ainda. Com a dor a tirar-lhe o senso, o menino tenta soltar uma gargalhada e grasna como um pato na ponta da faca. As gargalhadas aumentaram e davam para ser ouvidas na ilha vizinha. Naquela época, quando as crianças eram só adultos de menor tamanho, como anões ou baixinhos, as palmadas eram normais. Hoje somos mais esclarecidos, no entanto ainda muitos vivem à margem, pirateando para viver.

Ogumé volta sem pressa  até murchar o rebuliço, acomoda-se no balcão e toma outro copo.

– Na ilha, então, prestem atenção,  havia três coisas além de mim: um coqueiro, uma água viva e uma pedra pontuda onde quebrei a moleira do coco. Trocaria todo o rum que bebi na vida para sentir de novo aquela água doce dentro minha boca. Os cocos não duraram muito e as correntes me machucavam, sem contar a maré, que quando subia, só deixava um espaçosinho assim entre a água e o coqueiro. Mal dava para assentar os dois pés. A fome me matava aos poucos. Pescar eu nunca soube e os peixes, quando os agarrava eram lisos como um convés mal lavado e, rebeldes, iam embora. Na minha tribo, os velhos contam lendas do início dos tempos, quando os homens eram só imaginação dos deuses e vice-versa. Uma destas lendas era a da serpente infinita: Olodumaré, o deus criador de tudo, deu à serpente as pernas mais bonitas de todos os seres. A serpente, no entanto gostava de rastejar e tocar a terra como se toca uma mulher, tinha medo da luz do dia e só abria os olhos à noite quando toda a criação, menos as estrelas, se escondiam, comia suas pernas de noite, para melhor rastejar, e estas cresciam de dia. Olodumaré enraivecido com a covardia da serpente, tirou-lhe as pernas para que rastejasse, mas botou-lhe veneno na boca para que ela nunca mais se comesse. Pensei então que poderia resolver dois problemas, matar minha fome comendo minha perna e castigar com meu veneno qualquer homem branco que quisesse me jogar num porão de navio novamente. Então fui comendo minha perna aos poucos. Primeiro o dedão, cuspi a unha e limpei bem o osso, chupei o sangue e queimei a ferida com a água viva. Depois os dedinhos, um por um…”

– E não doeu?

– Acha que eu era um fraco como o emplumadinho. Eu era o leão das savanas!

– Eeeeehhhhhh… Um brinde ao leão das savanas!

– Ahoi! Ahoi!

Neste ponto da história, como sempre, lágrimas vieram aos olhos de Ogumé, era a parte em que se lembrava de como realmente perdeu a perna, se a tivesse comido a dor que sentia não seria tão profunda. Limpou o rosto como se estivesse suado estancando o choro e interrompendo a mágoa.

– O pé tinha gosto salgado e de queijo coalho, a carne era dura como uma barbatana e só quando cheguei na canela que senti o gosto de banana podre. Então quebrei os ossos e chupei-lhe o tutano.

– Com o que quebrou os ossos?

– Hora da demonstração. – disse Timbo.

Ogumé desse do balcão e caminha para fora. No começo a maioria reclama e o chama de volta.

– Nada de choro, escumalha – esclareceu Timbo, fazendo sua parte. – Ele só vai mostrar como quebrou os ossos. Vamos segui-lo.

A turba sai do bar e caminha pela vila atrás do grandalhão, Ogumé, não manca mais porque a dor não deixa, arrasta a perna, e seu corpo curvado não é um décimo do que foi um dia. Abaixa-se perto de uma pilha de galhos que servirão de lenha e os examina. Antes qualquer um servia, agora precisa dos mais moles. Mesmo assim impressiona a todos. Levanta um galho da grossura de três dedos, parte ao meio no ponto mais largo e o morde sem dó. Os dentes fortes ainda estão lá, o escorbuto não foi páreo para eles.

– Mais alguma pergunta? – diz ao terminar a demonstração quebrando o galho com os dentes em mais alguns pedaços.

– Eeeeeehhhhh…

Os marujos embevecidos pela façanha e iluminados pelo ardil da história se cotizam e carregam Ogumé em triunfo para dentro da taberna. Todos acomodados e bêbados, Ogumé conclui:

– E por fim amigos, livre das correntes que me prendiam e saciado da fome que me matava, sobrevivi um mês até ser resgatado pelo bom amigo Timbo, aqui do lado.

Aplausos, assobios, chapéus ao alto e mais uma rodada de rum.

– Sua vez agora amigo. – diz Ogumé ao pé do ouvido de Timo.

– Estou pensando em contar sobre aquela vez com as sereias. – sussurra Timo.

– Essa não, me dá medo. Que tal a da visita ao reino dos polvos onde mora o Kraken?

– Não. Vou deixar esta para outro dia.