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O Básico sobre Mostrar e Contar

Contar e Mostar

 

Este artigo foi traduzido do original escrito por Emma Darwin em seu blog The Icht of Writing Showing and Telling: The Basics.

Fale-se muito em “mostrar e não contar” porque escritores iniciantes contam demais quando eles deveriam estar mostrando. Mas é claro, como regra geral, não é tão radical a necessidade de Mostrar ao invés de Contar. Ambos têm seu valor, a chave é entender a força de cada um e usá-los de forma eficiente na sua história. Repare que nem tudo na escrita é sempre binário, na verdade, atravessa um espectro que vai do mais contado conto até a mais mostrada mostra.
Mostrar é para fazer com que o leitor sinta que está dentro da história: cheire, veja, ouça, acredite na verdade da experiência do personagem. Como John Gardner diz: “é convencendo o leitor através da realidade e do detalhe que evocamos nosso mundo imaginário sobre o que o personagem faz ou diz”, persuadimos o leitor a ler a história como se tivesse realmente acontecido, mesmo estando cientes do contrário. Significa trabalhar com a imediata reação física e emocional do personagem: a cólera que chega a seus ouvidos, o vento açoitando seu rosto, um pedinte agarrando seu casaco. Quanto mais eu explico o Mostrar, mais eu o quero chamar de Evocar.
Contar é para forrar o caminho, quando você precisa de um narrador, tanto se ele é um personagem quanto por sugestão: um narrador externo ou uma terceira pessoa. Uma informação suplementar: “era uma vez”, “um exército voluntário foi reunido”, ou “as montanhas estavam cobertas de uma fina camada de cinza vulcânica”. Colocado desta forma é só um pouco mais distante da experiência imediata de que o momento do livro trata. Quanto mais eu falo sobre Contar, mais eu quero chamar de Informar.

Contar/Informar: A temperatura caiu durante a noite e a densa geada refletia os brilhantes raios de sol.
Mostrar/Evocar: O ar da manhã penetrava o frio cortante que era faca em seu nariz e boca, deslumbrantes camadas de gelo cobriam cada broto e galho.
Contar/Informar: O homem alto era um marceneiro pleno e carregava as ferramentas de seu ofício.
Mostrar/Evocar: Um machado e um martelo pendiam de se cinto e um enxó enganchava-se ali, a unha de um de seus dedões era negra e quando ele se inclinou ela viu várias farpas e serragens presas em seus cabelos negros.
Contar/Informar: Eles estavam em pé, juntos e envolviam os braços um no outro, num abraço apaixonado, então ela percebeu que ele havia cavalgado muito para encontrá-la e, talvez, por isso estivesse tão nervoso quanto ela.
Mostrar/Evocar: Eles se agarraram no abraço e o tecido de sua jaqueta parecia desconfortável sob o seu queixo. Sua mão subiu para tocar seus cabelos, ela sentiu o cheiro do couro e dos cavalos sobre a pele de seu punho. Ele tremia.

Perceba que, embora Mostrar seja um pouco mais longo que contar, não precisa ser necessariamente assim (Link para o artigo em inglês sobre Mostrar demais) Existe situações em que deixamos assuntos mais abertos e não tão pormenorizados para que o leitor possa fazer uso da própria imaginação, (link para artigo em inglês sobre mais e menos informação). No geral, você está tentando fazer com que a experiência do mundo e do personagem ganhe vida, como se sentisse de leve o perfume deles, intenso e imediato. Mostrar é mais importante nos momentos de mudança na história, nos eventos cruciais na jornada do personagem e deve viver em nós da forma mais intensa possível, pela sua total compleição, acima de tudo, pela total evocação.

Contar/Informar: James era alto e atraente para as mulheres, sendo charmoso ao ponto delas se apaixonarem à primeira vista, elas nem imaginavam o quão pouco ele se importava com isso.
Mostrar/Evocar: Mostre-nos como é James no bar, o que ele diz, mostre-nos Anna olhando para seu rosto e vendo o amor no seu sorriso… e então mostre-nos o que ele diz, no banheiro dos homens, sobre se prevenir para que aquela garota, “Como é mesmo o nome dela? Anna?”, não descubra seu endereço.
Diálogo é basicamente Mostrar, está é a sua função, embora tenha que se ter cuidado para que

a) a voz do personagem, a maneira como fala, reflita sua personalidade e

b) não encher o diálogo de tralhas descritivas sobre o que está rolando em volta.
Pode ajudar muito pensar em termos de distância fictícia (Link para o artigo em inglês sobre distanciamento). Por enquanto, dê uma olhada nos parâmetros de distâncias, e veja como elas demonstram o espectro que vai do extremo contar até o extremo mostrar.

  1. É o inverno do ano de 1853. Um homem forte está parado do lado de fora da porta sob a tempestade de neve.
  2. Henry J. Warburton nunca se preocupou com nevascas.
  3. Henry odeia nevascas.
  4. Deus! Como ele odeia estas malditas nevascas.
  5. Neve. Sob o seu colarinho, dentro de seus sapatos, congelando e encobrindo sua alma miserável

Veja como o Contar é ótimo e explica exatamente onde estamos e o que está acontecendo. E Mostrar funciona da mesma maneira quando queremos denominar o físico e o emocional da experiência do personagem, embora não nos diga onde e quem o personagem é. Como um exercício sobre o assunto, pegue duas ou três sentenças do meio de uma história que você está tentando escrever, e reescreva-as de acordo com os cinco parâmetros de distância sugeridos por Gardner.

A sugestão Mostrar-não-Contar é também a raiz da discórdia quando se fala em que se deve evitar adjetivos e advérbios. Se você nos diz que uma casa é imponente e um personagem se aproxima nervosa e hesitantemente, não é nem de perto tão vívido quanto fornecer a sensação da experiência dele sobre a casa, fornecendo corpo ao momento.
“Ela tem que dobrar o pescoço para ver o topo do telhado e uma águia de pedra olha de volta, enquanto ela sobe degrau por degrau suas pernas doem.”
Encorpar o efeito de colocar o personagem na ação faz com queo leitor sinta junto com ele, porque a mente não reconhecesse a diferença entra o imaginário e o real durante a leitura. O que a palavra imponente nos faz sentir? O que a expressão aproxima-se nervosa tem a nos dizer na verdade?Nos informa qual o efeito, mas não evoca a experiência do personagem. Mas eu sei como é sentir meu pescoço dobrando para olhar para cima e subir escadas que parecem não terminar nunca. Mostrar/Evocar ainda nos dá outra vantagem neste exemplo. Do ponto de vista dela as águias estando apontando seus narizes na sua direção: a evocação da sua postura é filtrada através da sua própria percepção, assim ao mesmo tempo nos é dada tanto a experiência física quanto a emocional. E porque estamos cientes de que as emoções são dela, sabemos que pode não ser tudo a se dizer (alguém pode ver as águias de forma positiva como se curvando num sinal de boas-vindas, uma terceira pessoa ainda pode conjecturar de que espécie são as águias) e nosso entendimento sobre o caráter da personagem e sua experiência subjetiva ganha peso.

Um subitem de Contar, que trata também do uso de advérbios, fala sobre a inscrição do discurso propriamente dito (Link para texto em inglês sobre elocuções). Não informe que ele gritou furiosamente, evoque em palavras furiosas e ações, assim a fúria será evocada para o leitor também. Não informe que ela falou em tom de piada, escreva a piada e confie que o leitor saberá que se trata de uma gracinha do personagem. Se o discurso for tomar um caminho diferente do que pretendia, mostre o efeito que será produzido: ele foi surpreendido pela fúria que irrompeu de si mesmo ou nos outros personagens. Na verdade, mostre-nos o efeito daquela gracinha que ela disse, o que há de realmente interessante na cena: ela contou uma piada, esperou pelas risadas, ele sorriu e Granny resmungou desaprovando. Um pouco menos eficientes, são as marcações de discurso, elocuções, no sentido de mostrar o como foi dito: “ele riu, ingênuo”, “ela murmurou já sem esperanças”. Se tiver dúvidas, troque o disse ou falou por “gritou”, “chorou” quando quiser indicar volume, por exemplo.

 

Não elimine o Contar. Contar é a cobertura do terreno quando ela é necessária, tem muito valor. Que você pode colorir com a voz e o ponto de vista do seu personagem, tornar mostrável, mesmo se for só para fornecer um forro à cena.
Contar Ruim: A temperatura nos meses de novembro e dezembro era terrível, como ela percebia toda a vez que se iniciava seu dia de trabalho. No geral, o trabalho progredia, mas os cavalos sofriam com o tempo úmido. Ela esperou que ele entrasse em contato com ela, mas ele não o fez e perto do Natal ela quase persuadiu a si mesma a perder a esperança de que ele entraria em contato. Ela decidiu que de qualquer jeito celebraria o Natal e foi decorar a árvore, então, finalmente, ela ouviu o toque do celular indicando que alguém estava tentando entrar em contato com ela.

Contar Legal: Novembro virou-se em Dezembro e a trama no tricô crescia com constância, enquanto do lado de fora abaixo da sua janela os cavalos eram incomodados pela chuva. E ele ainda não ligara. Perto do Natal ela desistiu de ter esperanças. Decidiu armar a árvore mesmo assim, quando ela estava tentando enganchar a primeira bola o celular tocou.

O Personagem Conta: Novembro desaba em chuvas, sem parar, todos os dias, parecendo um único e longo final de semana, os cavalos pastavam tristonhos e eu tricotava. Sei que sempre chove nesta época, mas parecia que estava chovendo em mim, a chuva era pessoal, além disso o telefone recusava-se a tocar. Choveu Dezembro todo também e mesmo quando eu abri a caixa de enfeites de Natal não me senti melhor, neste momento o telefone tocou…

Repare que por causa do Contar a narrativa não está próxima, a distância psíquica paira entre o 2 e 3 (NT: vide acima  exemplos de distância em negrito). Quando o personagem conta pode ser 3, pois ainda oferece dados precisos, forra o terreno, mas não generaliza o número de meses e a inclemência do tempo ou a época festiva. Tudo é envelopado em aspectos físicos, tangíveis, imagináveis: o tempo marcado no crescimento do tricô, o seu estado de espírito na tristeza aparente dos cavalos sob a chuva, a erosão gradual da esperança enquanto o tricô crescia o telefone continuava mudo. Ainda há um verbo de ação atrelado ao mês, que abstrai a ideia de tempo. Embora o contar do personagem não use estruturas específicas de Contar tipo: “sempre chovia”, “não me fez sentir melhor” etc., o fato deste contar ser produto da expressão e do ponto de vista do personagem o torna mais vívido.

E quando ela atender o telefone, iremos direto para o Mostrar do personagem em ação: o que ela disse, sentiu, pensou. Generalizando, quanto mais crucial é a cena, o personagem em ação, o cenário, mais cheio de mostrar terá que ser sua escrita. A maioria das cenas principais acontecerá em tempo real, porque serão os momentos importantes de mudança, conflito, decisão e aquisição de experiência. Elas precisam e merecem ser evocadas com o máximo de vida e conteúdo possível. Como um trem: mostrando os compartimentos e os vagões enquanto passa pelo túnel, contar seria um engate forte e flexível que liga uma composição à outra.

No entanto, sempre existirá casos para condensar partes de uma cena importante: sempre existirá eventos que precisamos saber que aconteceram, momentos que precisamos dar forma à cena sem detalhes tão específicos. Momentos em que na verdade o escritor precisará ser mais direito, mais plano para deixar um pouco de espaço à imaginação do leitor. (NT: em breve traduzirei dois artigos da mesma autora que falam justamente deste tema, um deles sobre cenas de sexo e outro que explora excessos no Mostrar).

Especialmente no começo de um livro torna-se complicado balancear o mostrar e o contar de forma correta, porque por um lado você precisa envolver o leitor o mais rápido possível na vida e nos sentimentos dos personagens, fazer com que tenham carinho por eles e assim levar o leitor a querer saber mais sobre eles. Por outro lado, precisamos de uma certa quantidade de informações sobre o quê, o onde e o porquê, isso se nos preocupamos suficientemente com o leitor para fazê-lo continuar com a leitura. Se você começar no 1 é melhor inserir logo o leitor no mundo do personagem, se começar no 5, terá um monte de explicações para dar.

Uma última observação. Sempre existe a liberdade de ação para quem quiser escrever a história como fábula ou caso, gênero que usa frequentemente um contador de histórias para contá-la e a voz do narrador está presente ao longo da história. O arquetípico narrativo é parecido com o de um conto de fadas, que é quase totalmente Contar. Neste modelo, a voz do narrador é mais crítica do que em qualquer outro tipo de escrita, para manter o efeito de distanciamento o narrador nos mantem junto a ele e não com os personagens, o narrador e o que está dizendo deve ser muito mais cativante. Mas se você ler algum dos contadores modernos verá que mesmo com uma narrativa carregada de Contar ou um narrador muito presente quando bem feita não elimina a experiência física e emocional do que lemos é extremamente vívida. Isto é o que Mostrar significa quando faz uso do Contar.

 

Quase razões

malha_espaco_tempo

Eu escrevo porque é o que me resta

fazer neste fim.

O mundo pode acabar amanhã,

em uma semana,

ou na próxima década. Sobrou

contar as favas onde será lançado.

O inferno será aqui,

amanhã,

em uma semana

ou na próxima década. Escrevo

para lembrar que não estou

no sonho da musa,

brinquedo da mídia,

coçando-me das picadas

das pulgas

da cultura ocidental.

Partirei em breve, partiremos,

pela casa descascada,

pelo carro descabido,

pela estrada asfaltada

e a insignificância dos escolhidos.

Que serão doentes e selvagens

e vagarão pelo rumo da fome.

Vivo sozinha, por enquanto

escrever é parte

desta solidão quase finda.

Infinitesimal partícula menos

cem,

duzentos,

mil à décima

se comparada ao todo que não sabemos

Comestível e longínquo

em medidas cósmicas.

Vamos todos morrer da ignorância.

Visto do espaço não sou visto,

olho para o espaço e ele é cego.

As estrelas brilham

Evocando outros mundos

A maioria morreu, restaram ecos

como os meus.

Escrevo não porque estou viva,

Ou existo e pertenço.

Escrevo porque imploro que

estes últimos instantes sejam os primeiros

e o sol se transforme em vento

e o vento em aura leve de histórias plenas.