Monthly Archives: October 2015

COPO MUITO CHEIO – BLOQUEIO POR EXCESSO CRIATIVO – Dicas para o Escritor Iniciante 30 (o anterior era 29)

Copo cheio

Já conversamos sobre Bloqueio Criativo (https://claudiadu.wordpress.com/2014/03/06/a-dor-da-folha-em-branco-bloqueio-criativo/), de onde vem este monstro e como acalma-lo. Alguns amigos comentaram comigo que uma das razões do bloqueio criativo é o excesso de projetos e ideias na cabeça, eu também sofro disso as vezes. Hoje, então, vou falar sobre o excesso criativo.

Na última oficina que coordenei nós trabalhamos a criação de ideias, como faze-las surgir de qualquer coisa. Uma lembrança do passado, cadeiras empilhadas, observando pessoas no metrô, juntando referências de outras histórias. É a criação: retalhos de experiências articulados de forma única e harmônica. Quando o autor percebe isso, no entanto, as ideias parecem ganhar um volume superior ao que cabe nas prateleiras de sua mente e, pior, todas as ideias juntas urgem para ganhar vida de alguma forma ou serão enterradas umas sob as outras, desaparecendo.

É isto o que acontece, elas vão se sobrepondo, se engalfinhado para nascer e acabam perdidas, abortadas, cobertas de poeira e ficamos muito tristes com a nossa incapacidade em fazer tudo ao mesmo tempo agora. Mas e o caderninho de anotações? Vocês podem perguntar. Ele é ótimo para guardar ideias, mas as páginas vão passando e algumas vezes nem nos lembramos mais do quê e porquê anotamos aquelas linhas.

Acho que a primeira coisa a se dizer é: ESQUEÇA. Esquecer faz parte do processo, se a ideia era realmente boa, você irá recupera-la e conseguirá se lembrar dela. Se a ideia não tiver que acontecer não acontecerá, outras tomarão seu lugar. Feito isso, livramo-nos da neura, mas não nos livramos dos quatro, cinco, seis projetos que temos em mente para produzir.

Priorizar dá certo¿

Colocar em ordem de importância o que vamos fazer dá certo. Sim, na maioria das vezes. O que costuma não dar certo é o motivo da priorização. A nossa linha de produção criativa precisa ter uma razão além do querer. Esta linha depende do que almejamos quando escrevemos. Escrever para nós mesmos e para o nosso deleite sem pensar se iremos ser lidos ou não, este é o objetivo, então o querer é o determinante ideal para a prioridade. No entanto, a maioria das pessoas sãs escreve para ser lida.

Para estabelecer uma prioridade precisamos pesar a importância das variáveis.

Se você é um escritor amador ou principiante que escolheu o caminho mais difícil e o mais certo para se guiar na profissão – fazer cursos e se aprimorar, trocar ideias com seus iguais e participar de concursos para ter um destaque neste meio bastante competitivo – a sua prioridade precisa estar de acordo com os prazos e conteúdos dos concursos e com o perfil das editoras que você está buscando.

Vai escrever uma saga em três volumes, não tenha outras ideias pelos próximos anos. Dedique-se a organizar as ideias que coletou dentro da sua saga. Não tem jeito de unir aquela determinada ideia à saga? Guarde-a para depois ou faça um conto dentro do mesmo universo. É possível trabalhar mais de um projeto ao mesmo tempo, depende do quão flexível é o autor e da profundidade de sentimento envolvido na construção de seu universo.

Faça um quadro de projetos. Um rascunho, folhas de caderno. Dê notas de um a cinco, pontos positivos ou qualquer tipo de marcação para aspectos como: sua vontade de escrever sobre aquele tema; a relevância que este projeto tem para você e para o seu público alvo; a quantidade de informação que deverá ser coletada para fazer o projeto e se essa parte da pesquisa te atrai; seria interessante para as editoras e está dentro do perfil daquelas que você tem buscado e por fim avalie os prazos de produção, caso vá participar de algum concurso. Nem precisa somar as notas e os pontos positivos, já vai dar para ter uma ideia do que você pode descartar por este momento e ao que se dedicar só por ter pensado sobre.

Usando como exemplo o meu quadro de produção, tenho dois projetos para serem entregues até o final do ano, estes são os prioritários pois têm prazos e envolvem pesquisa, um deles massiva. Um projeto terminado que precisa de atenção para revisão, ou seja, o grosso da criação terminou, precisa aparar as arestas então é mais suave. Um projeto em desenvolvimento, já com começo, meio e fim prontos na fase de pós primeira revisão e primeira reescrita. Por fim um que faço por diversão, nas horas em que a cabeça pesa, mas que quero acabar. Outros dois projetos estão esperando na fila quando acabar pelo menos dois dos citados.

Colocar prazos para si mesmo ajuda muito a não engavetar ideias que foram entendidas como válidas e importantes nos aspectos citados. Não se preocupe se tiver que adiar seus prazos, o que geralmente acontece, você não é uma empresa, mas precisa se entender como um profissional. Encher seu copo com doses de prazer e responsabilidade tomando cuidado para não transbordar.

Se você é uma pessoa que faz só um projeto por vez, sinta-se invejado.

COISAS QUE AMEI EM BALL JOINTED ALICE DA PRISCILLA MATSUMOTO

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Já havia lido um conto da Priscilla Matsumoto, O Reflexo do Dokkaebi – Boys Love, e gostado do modo como ela dialogava com a psique de seus personagens. Estava empolgada para ler o livro. E agora, livro lido, não estou querendo mais história, a história está completa, cheia e tão bem alojada dentro de mim que vai levar um tempo até poder ler algumas das outras que me esperam na estante. Já abri uns três livros e não consigo passar da primeira página ao perceber que falta o artista por trás das letras. Não são livros ruins, Priscilla é que é boa demais. Vou ainda chorar um pouco o vazio de Frank, por dentro, embaixo da cama, no escuro.

O mundo espelhado por Frank, que não consegue se enxergar, me lembrou um livro da minha adolescência, no final dos 70, chamado Sybil, história real de uma garota abusada na infância que desenvolveu 16 personalidades diferentes. Frank é obcecado por sexo e por caos, coloca obstáculos a todo tipo de amor recebido, enquanto do outro lado do espelho ele é completamente apaixonado por pessoas que estão fora de seu alcance: artificiais, mortas ou lésbicas e eventualmente um gay mais deprimido do que ele.

Não se engane pelo que disse até agora pensando que se trata de um relato introspectivo e denso difícil de ler. Não é. Ball Jointed Alice é um livro de ação, personagens que parecem saídos de um mangá muito louco. A violenta e irracional Emi, traficante que guarda um arsenal em casa, Tay a estilista voluptuosa, misto de pin-up e Mortícia Adams, Shin, o japônes lindão gay, o único “normal” do grupo, alheio ao que acontece quando as coisas ficam feias. E elas ficam muito feias, quando Emi decide usar seu arsenal para explodir o hospício de onde todos fugiram e “contrata” Frank para criar um exército de bonecas Alice.

E sobre Alice, a boneca que dá nome ao livro? Ela é a linha que costura o rasgado Frank novamente, que vai busca-lo no poço onde ele caiu e o resgata da Rainha de Copas. Só chegando ao fim do livro para perceber quem é Alice.

Melhor coisa de Ball Jointed Alice é a interpretação do leitor, os quatro parágrafos acima foram a minha leitura da história, a partir de experiências, do entendimento pessoal das referências de livros, a Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho, a Sybil etc e dos mangás japoneses e coreanos. Alguém que nunca leu Alice (difícil achar quem não, mas vai que) leia primeiro, depois jogue-se no poço de Ball Jointed Alice e morda o biscoito do mundo conturbado e louco de Frank.

Ainda hoje de manhã me perguntei se Frank não era só um espelho.

Onde encontrar: no site da Editora Draco: http://editoradraco.com

 

Colar de Pérolas – Coletâneas de Fantasia e Ficção Científica

Coletâneas

Parece uma opção preguiçosa ler um conto de fantasia ou ficção científica nesta época em que as Trilogias, Quadrilogias, e Semfimlogias com seus volumes de mais de 400 páginas prosperam, levando fãs e seguidores a comprarem belos livros que além de entreter por longo tempo ficam lindos lado a lado nas estantes. Guerra dos Tronos, O Nome do Vento, Mitsborn, Jogos Vorazes, Deuses de Dois Mundos etc ocupam espaço na mídia especializada, nos expositores das livrarias, em redes sociais e no imaginário dos leitores que querem mais tempo dentro destes mundos. Quando a saga acaba (quando acaba), para superar a frustração, releem, escrevem fan-fics, formam grupos de fãs para trocar impressões e prolongar a sensação de pertencer a um universo paralelo, antigo, místico, distópico ou tudo isso misturado.

Se compararmos as raízes que se criam no imaginário do leitor através destas sagas, torna-se quase ridículo achar uma justificativa para ler um conto, cuja construção econômica não permitirá ao leitor passear pelos mundos, pesquisar os mapas e fazer parte de um clã. A história concentrada do conto poder ter algumas páginas ou só uma linha ou duas e parece não ser tão rica e atrativa, numa coletânea de contos quando um mundo acaba outro começa não dando tempo para a digestão do primeiro.

Sair da zona de conforto, esse é um bom motivo, crescer e ampliar o gosto pela leitura. Experimentar um universo além das suas paisagens e culturas complexas, o conto é o detalhe da relação do personagem com seu mundo e provoca imediata empatia, quando bem escrito. Num livro eu posso acompanhar a saga do herói, de sua insignificância ao seu sucesso, ou o contrário. Num conto eu me aproprio de sua vida, descubro seus sentimentos mais profundos num desafio instantâneo e único.

Escritores como Clarice Lispector e Dalton Trevisan fizeram nos contos suas obras primas, assim como o mestre Júlio Cortázar.  George R. R. Martin é um grande fã de coletâneas e coloca seu nome embaixo de algumas delas no estilo Wild Cards e participa de outras como Ruas Estranhas ao lado de autores aclamados. Alguns dos melhores trabalhos de ficção científica nacional atual estão na área dos contos, Carlos Orsi, Roberta Spindler, Gerson Lodi Ribeiro.

Então, o motivo principal para se ler coletâneas são as pérolas. As obras primas dentro da concha, incrustradas na pedra entre as outras. É preciso abrir para acha-las, mas compensa o esforço encontrar entre umas poucas cascas vazias aquela peça de valor inestimável, cultivada por anos de trabalho duro, fruto de uma centelha de inspiração. Brilhante e único, que não poderia ser uma saga, um livro, pois seu poder é tão concentrado que implodiria.

Indicações prestigiando o nacional/português

Para quem não é muito fã de contos, porque só leu na escola (foi obrigado), do amigo aspirante a escritor amador ou fan-fics. Há excelentes experiências gratuitas em revistas especializadas: Revista Bang, Trasgo, Black Rocket e Black Magic, Contos Sonoros do blog Meia Lua Para Frente e Soco, o podcast A Voz de Delirium (noveletas fantásticas em forma de jornal) e muitos outros.

Para quem quer se arriscar e surpreender-se há várias coletâneas interessantes nesta área. Se você é principiante evite as que tem contos demais, mais de 30, vai ficar difícil garimpar. Entre as coletâneas com até 20 contos estão: as da Draco (as melhores): Space Ópera, Excalibur, Samurais x Ninjas, Monstros Gigantes, Boys Love etc. A Buriti, a Cata-vento, a Aquário são editoras que também oferecem coletâneas de ficção científica e fantasia.

Você também pode garimpar por contos de autores já publicados na Amazon e pagar baratinho, mas nada como a experiência de vê-los lado a lado dentro de um único volume.