Para Elezéard Bouffier

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Que diamante, o que foi cortado em fatias e disposto ao redor do sino, observa o mundo de seu campanário. E as colinas estão cinzas, as paredes negras e as memórias vagas.

Era para alertar sobre os lobos, mas foram as ovelhas que vieram dando voltas e voltas, aquelas amansadas e tosadas infinitas vezes.

Assim corre o tempo neste mundo, ora cavando a terra, ora queimando igrejas.

Que colina, a que foi cercada e embrulhada em papéis de posses, observa o campanário em pé. E a pedra está à mostra, o chão raso e o sol, o mesmo.

Entregue aos que não eram seus, ela sentiu pelas aves, pelas árvores, pelo som que não se ouvia, pois não havia ouvidos que os classificasse.

Assim se deita o espaço neste canto erguido entre tumbas.

Que homem, o que os anos mataram as esperanças e a família, pensa o campanário como refúgio e a colina como sombra. O rio está limpo, o ar claro e as certezas, nenhuma.

E toda a tarde, ele sai do campanário e caminha até a colina, o chão por companhia. O bom amigo retribui com silêncio e guarda para ele as sementes das poucas árvores – embaixo da terra morta, atrás das pedras – encolhidas em sua essência.

O sino não dobra, mas a colina canta o inverno e seus ventos, abrindo cicatrizes. E na primavera, quando a terra úmida e morna cura suas feridas, o homem lhe devolve as sementes. Não todas, as mais fortes, com suas promessas de raízes vorazes e galhos exploradores.

Que diamantes, os que brotam na colina pelos anos que passam, observa o homem de seu campanário. Centenas de pequenos estalos empurram as pedras entregando-se ao sol. As tumbas estão mortas e enterradas, o caminho sinuoso, as palavras, vãs.

Que homem, o que plantou uma floresta onde antes havia pedras, pensa ser muito pouco, não fez o bastante. Nesta vida curta e destituída poderia ter feito mais, caminhado por mais colinas, encontrado mais sementes. O corpo está fraco, os olhos cegos, a morte, à porta.

O viajante que passar pela estrada do outro lado da colina, não verá o campanário, nem ouvirá o vento ao redor das rochas, tudo é verde e denso, vida nova que se fez depois da guerra. Acreditará que a natureza é pródiga e os milagres existem, nem saberá do homem que decidiu viver ali.

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