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ESCREVENDO PERSONAGENS LGBTIA+

Existe uma onda de interesse por ficção especulativa nacional, feiras e eventos acontecem toda a semana com um bom afluxo de leitores, pessoas interessadas em se ver representadas nos livros e coletâneas. Entre os escritores de ficção especulativa nacional cresce também a inclusão de personagens que fujam de protagonistas masculinos, brancos e cis-héteros. Personagens de diferentes etnias, origens, orientações, gêneros passam a interessar como protagonistas.

Não estou usando a palavra onda como coisa passageira, prefiro entender como uma tissunami, que arrasa velhas estruturas para que novas possam nascer e ocupar o espaço de maneira mais criativa e justa.

Não é meu lugar de fala tecer considerações sobre como seria incluir personagens negras, pessoas com necessidades especiais, indígenas etc, para escrever personagens assim conto com ajuda de leitores sensíveis. Mas como pessoa quir acho que posso falar um pouco de como vejo os personagens LGBTIA+ nas ficções que leio e de como gostaria de vê-los.

Em primeiro lugar cito alguns problemas com personagens LGBTIA+ em narrativas. Devo confessar que já usei de alguns clichês quando ainda não tinha coragem de me expor. Ou seja, este tipo de construção equivocada de personagem LGBTIA+ em narrativas não é exclusividade de pessoas cis hétero.

O QUE NÃO FAZER                                                                              

  1. Personagem secundário que não faz falta

Personagem LGBTIA+ amigue da personagem principal, que serve só para ajudar  protagonista cis hétero a parecer uma pessoa flexível e antenada com o seu tempo. A pessoa LGBTIA+ geralmente morre, e o sofrimento é só uma escada para o leitor perceber o quanto a personagem cis hétero é humana. A pessoa LGBTIA+ é apagada pela supremacia de personagem hétero, ou pior, salva por personagem hétero.

Personagem LGBT engraçado. Para quebrar a dramaticidade, “colorir” (como odeio essa palavra) a trama por assim dizer. Geralmente é afeminado ou travesti, ou a lésbica bush que conserta caminhões (naves espaciais, no caso) ou é soldado, orc etc. Toda a força do estereótipo que o autor conseguir colocar para provocar risos no leitor. Personagens não são tridimensionais, não acrescentam à trama nada além de uma quebra pontual de narrativa, não servem como representação ao leitor LGBTIA+.

Personagem LGBTIA+ invisível. O pior dos casos, com o único propósito de passar pano para narrativa não inclusiva. O autor(a)(e) ou editora disfarça o texto para alcançar um público maior ou gerar críticas positivas da “crítica antenada”. Personagem que não é diretamente amigue de ninguém, que aparece numa parte mínima da narrativa e que poderia ser um cachorro e não faria falta alguma.

2. Personagem principal não humano

Por falar em pisar em ovos. Considero ofensivo quando todos os personagens principais são humanos, héteros, cis, e os LGBTIA+ são não humanos ou são alienígenas. Vivendo numa elfalândia qualquer ou num planeta muito muito distante.

Se todos os personagens são fantásticos ou alienígenas, ainda existe uma passabilidade para o fato dos LGBTIA+ não serem humanos, no entanto é preciso observar os estereótipos mencionados no item anterior. Por que aquele núcleo de personagens diversos existe? Qual a função deles na trama? Se é só para ser amiguinhe de protagonista cis hétero, não escreva.

As pessoas LGBTIA+ são geralmente excluídas de narrativa por serem invisíveis no sentido de que não são a “norma social e cultural” aceita, como disse incluo uma parcela da população LGBTIA+ na questão que também não se enxerga como parte da normalidade. LGBTIA+ existem, sempre existiram e sempre existirão na História da humanidade, com diferentes graus de tolerância dependendo da sociedade, da época e da religião, então não adianta nada a chiadeira de intolerantes, LGBTIA+ são parte da normalidade, parte da multiplicidade de representações humanas.

Quando uma pessoa não escreve personagens LGBTIA+ como parte da normalidade é porque não os enxerga assim, foi condicionada a não perceber a existência dos LGBTIA+. Autora, autor, autore que diz que escreve os personagens sem pesar essa questão, que usa da “liberdade artística”, percebe-se como o centro do mundo e escreve basicamente sobre seu umbigo. Nada errado escrever sobre o próprio umbigo, mas aconselho ler O Quarto de Jacob de Virgínia Woolf, onde o personagem Jacob é narrado de outros pontos de vista, menos o dele.

Então quando escritores/as inserem um personagem LGBTIA+ de raça diferente – alienígena, orc, elfo, duende – num ambiente predominantemente humano, acabam tirando a humanidade da representação do personagem, haja vista que nenhuma representação, nenhuma história é sobre alienígenas, pois nunca tivemos contato com um, ou seres fantásticos, pois eles fazem parte do imaginário, toda ficção especulativa é de certa forma alegoria da nossa própria realidade, do nosso momento histórico, da nossa vivência. Ao fazer do personagem um ser não humano em meio a humanos a “norma” aceita continurá vigente. É como se dissessem: “Noutro planeta/mundo tudo bem existirem LGBTIA+, no nosso não.”  

OBS.: Antes que alguém cite A Mão Esquerda da Escuridão, Ursula K. Le Guin escreveu esse livro no século passado, cinquenta anos atrás, os tempos são outros, estamos quase na terceira década do século XXI.

3. A catarse do sofredor ou vilão

Personagem LGBTIA+ para provocar ódio ou lágrimas nos leitores são clichês absolutos. A mulher trans prostituta que sofre agressão e acaba morrendo no meio da rua, viciada que troca o corpo por substâncias químicas, o gay que é expulso de casa e também se prostitui e usa drogas. LGBTIA+ psicopata que é reprimide pela mãe ou abusade pelo pai e se torna um serial killer. Um exemplo clássico é o serial killer do Silêncio dos Inocentes.

A despeito da realidade cruel em que vivemos: dois LGBTIA+ entre 8 e 60 anos são assassinados por dia no nosso país, a maioria das mulheres trans são prostitutas, crianças e adolescentes LGBTIA+ são constantemente vítimas de abusos por parte de parentes e pessoas próximas, grande parte dessas pessoas acabam vivendo na rua em condições degradantes, não é isso que essas pessoas esperam para suas vidas. Não é o que querem ver nas histórias ficcionais. Por que a ficção tem que espelhar a dor? A alegoria dos problemas vividos pelos LGBTIA+ pode ser diferente, pode ser lidar com um rebanho de mamutes com presas de ouro ou uma nave espacial quebrada.

COMO ESCREVER UM PERSONAGEM LGBTIA+

A primeira pergunta a se fazer é porque escrever um personagem LGBTIA+, se é só para parecer maneiro, não faça. O primeiríssimo passo é reconhecer e entender as pessoas LGBTIA+ como parte da sociedade, da sua própria comunidade. Entender que você, escritora/r/e, poderia ser um LGBTIA+ e nada mudaria, ou isso é o que deveria acontecer se a sociedade fosse justa e igualitária. A segunda pergunta é para quem estou escrevendo? Se não revelar que personagem é LGBTIA+ no começo da trama e deixando a “surpresa’ para o meio ou o fim da história a representação atingirá pessoas hétero cis, porque a pessoa LGBTIA+ não se verá representada desde o início. Pergunte-se se está escrevendo para incluir personagens diverses para hétero cis ver ou porque LGBTIA+ têm que ser representades. Você revela que sua personagem cis hétero é cis hétero? Por que não? A falsa normalidade que permeia nossas relações é mais limitadora que reguladora de nossas relações sociais, precisamos pensar que tipo de relações queremos com outras pessoas, antes mesmo de pensar em representá-las.

1º Passo

Converse com uma ou mais pessoas do espectro que quer representar. Pergunte como uma pessoa trans entende o próprio corpo. Pergunte a uma pessoa assex quando ela se descobriu. Pergunte das descobertas, das constantes descobertas. Nossa representatividade de gênero e parte da nossa sexualidade são construções sociais feitas de tijolos de culpa, repressão, dúvidas e acertos colocados um sobre o outro ao longo de nossas vidas. Somos seres razoavelmente longevos, décadas de impermanência aguardam cada criança que nasce.

2o Passo

O que é a normalidade? É uma pergunta que não deveria existir, mas no mundo ficcional tradicional, não experimental ou filosófico, ela é crucial para desenvolver um bom personagem LGBTIA+.

Uma das colocações mais obtusas na hora de incluir personagem diverso é dizer literalmente a diversidade de personagem.

“Fulano era negro” quando não se diz qual a etnia de outres personagens.

“Fulana era lésbica” quando não se diz qual a orientação sexual de outres personagens.

Quer dizer, esse personagem não é igual a outres. É diferente, não pertencente, não incluído na “norma”.

Como fazer para não dizer que a pessoa é lésbica? Mencione uma namorada, inclua um comentário sobre uma pessoa bonita, desenvolva um romance entre as duas. Exercite formas não diretas de dizer, volte ao primeiro passo e converse com alguém do espectro LGBTIA+.

“A pessoa pegou a arma com a mão esquerda e fez mira.” Eu sei que a pessoa de quem se escreve é canhota, não preciso dizer. “A pessoa, que era canhota, pegou a arma com a mão esquerda e fez mira.”

Escolha uma profissão para sua personagem lésbica que não seja ser caminhoneira, que não seja um clichê ou uma profissão masculina, afinal uma coisa não tem nada a ver com a outra, se não consegue pensar na sua personagem lésbica de outra forma volte ao primeiro passo.

3º Passo

Sexualização de personagem LGBTIA+ é uma questão delicada, se só o personagem LGBTIA+ é sexualizade, então temos um problema, se personagem faz parte de uma sociedade edonista, não há nenhum problema. Outra vez o primeiro passo é importante, ao conversar com diferentes pessoas LGBTIA+, escritor/a/e perceberá que não muda nada em termos de intensidade ou falta de intensidade em relação às diferenças dentro do espectro para uma pessoa cis hétero, são questões humanas individuais, cada indivíduo entende de sua manifestação da sexualidade.

Será que personagem LGBTIA+ está reproduzindo machismo, misoginia ou misândria?  Esta pergunta deve ser feita e refeita. Personagens gays que odeiam vagina e lésbicas que odeiam pênis, por exemplo, são no mínimo transfóbicos.

4º Passo

Existem quatro pontos básicos a serem observados ao escrever sobre personagens LGBTIA+. 

  1. Orientação de gênero – em 2015 a cidade de Nova York nos EUA, reconheceu 31 gêneros e expressões de gênero diferentes (matéria abaixo). Uma pessoa cis é uma pessoa que se reconhece do gênero designado – por outra pessoa como pais, responsáveis, força da lei – ao nascer, que se sente confortável com essa designação. Pessoas trans são pessoas que pertencem a outro alinhamento de gênero, feminino, masculino, não bináries, diferente daquele que ela foi designada. As pessoas trans não necessariamente passam por alinhamento, há trans homens de seios e trans mulheres de pênis, a representação física faz parte da expressão de gênero.
  2. Expressão de gênero – como a pessoa gosta de expressar seu gênero. Por exemplo, aquela menina que só usa “roupas de menino”, pode ser hétero e cis, só tem uma maneira diferente de se expressar. Lembrando que a expressão de gênero passa por convenções sociais.
  3. Orientação sexual – por quem a pessoa se atrai fisicamente, ou por quem não se atraia no caso de assexuais. Héteros, gays, lésbicas, bissexuais, pansexuais etc.
  4. Orientação romântica – por quem a pessoa se atrai romanticamente ou intelectualmente. Por exemplo, uma pessoa bissexual pode sentir-se atraída romanticamente por um determinado gênero e fisicamente por outro.

Num dos meus contos escrevi personagem de gênero não binárie fluíde, representação feminina, orientação sexual não romântica e sexual bissexual.

COMPLICAÇÕES

Há duas formas de se pensar na inclusão de personagens LGBTIA+. A primeira se refere ao tempo que uma pessoa cis hétero terá que dispensar à pesquisa, às dificuldades para entender e construir um personagem diferente, o que algum autor/autora pode achar um pouco cansative. A segunda se refere a não ser preguiçose e ser criative, aproveitar esse leque imenso de possibilidades de escrever personagens ricos e diferentes que os espectros LGBTIA+ e os outros recortes dentro desse espectro, étnicos, por exemplo, nos oferecem.

Links para artigos e podcasts relacionados

Nesse blog

https://claudiadu.wordpress.com/2016/09/05/pequenas-consideracoes-sobre-os-pronomes-de-genero-x-e-i/

https://claudiadu.wordpress.com/2019/08/06/marcadores-de-genero-ii/

Nova York reconhece 31 gêneros e representação de gêneros (em inglês)

https://www1.nyc.gov/assets/cchr/downloads/pdf/publications/GenderID_Card2015.pdf

12 Fundamental to write the others (and the self) (em inglês) Há uma tradução nesse blog

Diversidade em Star Trek – HQ da Vida – Part 1 e 2

https://www.spreaker.com/user/halfdeaf/hqpedia-07-diversidade-em-star-trek-part

Micro Contos – Como e Porque Escrever

flash-fiction

O que são e o que não são Micro Contos

Micro contos são narrativas muito curtas, com 300 palavras ou menos, que trazem uma história total, não parcial. Não são muito populares no Brasil, nem mesmo tem valor comercial. Então por que nós, escritores brasileiros, deveriamos perder tempo escrevendo micro contos?

Primeiro porque para o escritor qualquer forma de escrita é válida. De haicais à sagas em “n” volumes.

Escrever micro contos permite ao autor avaliar o que é importante na prosa. Trabalhar o vocabulário e escolher as palavras mais adequadas. Cortar  redundâncias e tudo o que não é essencial. O autor fica afiado na hora de escrever narrativas longas. Além do que é uma forma de arte com as palavras, um modo divertido ou profundo de contar histórias.

Precisamos saber, no entanto, o que um micro conto NÃO é: um resumo de uma história ou uma parte isolada de uma narrativa maior. Pensamentos aleatórios ou reflexões, cenários desconexos ou piadas. Ações sem contexto não são micro contos. Recortes dentro de uma narrativa maior não são micro contos.

Micro Contos são narrativas completas e como tal necessitam de enredo, elementos do arco narrativo (reviravolta, flash backs, repetições, conflitos etc.), personagens, local, tempo.

Dois micro contos e seus elementos narrativos

Assim como o conto tradicional, a linha narrativa é melhor desenvolvida se baseada em no máximo três personagens e a trama contenha elementos simples e facilmente reconhecíveis.

Acerto de Contas – Lydia Davis (considerada uma das melhores escritoras contemporâneas de narrativa curta)

 “O fato de ele não me dizer sempre a verdade faz duvidar da verdade do que ele às vezes me diz, e então tento descobrir pelos meus próprios meios se é verdade ou não o que ele está a dizer, e algumas vezes sei que não é verdade, outras vezes não sei e nunca saberei, e outras ainda, só porque ele não para de me dizer, convenço-me de que é verdade, porque não acredito que ele seja capaz de repetir tão constantemente uma mentira.”

Personagens – duas pessoas num relacionamento

Arco – estabelece a dúvida sobre o que ouve do parceiro, faz uma busca para descobrir o que é verdade, termina por convencer-se que ele às vezes não diz mentiras.

Elementos narrativos – flash back, reviravolta, conflito, repetição

Tempo – ao longo do relacionamento.

Arquíloco – séc. VII a.C.

Algum saio (guerreiro da tribo inimiga) do escudo se orgulha. Sem querer abandonei a arma num arbusto. Salvei minha vida, que me importa o escudo? Perca-se: conseguirei outro igual.

Personagens – Arquíloco e o saio

Arco – perdeu o escudo, salvou a própria vida, eliminou o arrependimento

Elementos narrativos – flash back, suspense, conflito, repetição

Tempo – durante uma batalha

Local – no campo de batalha

Dicas para escrever micro contos

  1. Mostre não conte, este conselho essencial para qualquer narrativa, deve ser seguido à risca para as narrativas curtas.
  2. Atenha-se ao que faz uma narrativa interessante, conflito, cenário, atmosfera, personagens, enredo
  3. Escreva e reescreva sua história diversas vezes, quantas forem necessárias, até que ela só mostre o essencial.
  4. Comece pelo meio, pela parte mais importante ou mais emocionante. Forneça uma guia da história ao leitor.
  5. Escolha o melhor título possível, ele fará parte da narrativa
  6. Deixe um questionamento na última linha que conduza o leitor a reler o conto para entender a mensagem. Ou seja, leve o leitor por um caminho e o empurre para outro.
  7. Coloque a conclusão no meio da história.

Neste link, Lydia Davi conta sobre seu processo criativo e mostra como um dos seus contos foi escrito. Do rascunho ao final.

 

http://www.theatlantic.com/magazine/archive/2014/07/lydia-daviss-very-short-stories/372286/

COPO MUITO CHEIO – BLOQUEIO POR EXCESSO CRIATIVO – Dicas para o Escritor Iniciante 30 (o anterior era 29)

Copo cheio

Já conversamos sobre Bloqueio Criativo (https://claudiadu.wordpress.com/2014/03/06/a-dor-da-folha-em-branco-bloqueio-criativo/), de onde vem este monstro e como acalma-lo. Alguns amigos comentaram comigo que uma das razões do bloqueio criativo é o excesso de projetos e ideias na cabeça, eu também sofro disso as vezes. Hoje, então, vou falar sobre o excesso criativo.

Na última oficina que coordenei nós trabalhamos a criação de ideias, como faze-las surgir de qualquer coisa. Uma lembrança do passado, cadeiras empilhadas, observando pessoas no metrô, juntando referências de outras histórias. É a criação: retalhos de experiências articulados de forma única e harmônica. Quando o autor percebe isso, no entanto, as ideias parecem ganhar um volume superior ao que cabe nas prateleiras de sua mente e, pior, todas as ideias juntas urgem para ganhar vida de alguma forma ou serão enterradas umas sob as outras, desaparecendo.

É isto o que acontece, elas vão se sobrepondo, se engalfinhado para nascer e acabam perdidas, abortadas, cobertas de poeira e ficamos muito tristes com a nossa incapacidade em fazer tudo ao mesmo tempo agora. Mas e o caderninho de anotações? Vocês podem perguntar. Ele é ótimo para guardar ideias, mas as páginas vão passando e algumas vezes nem nos lembramos mais do quê e porquê anotamos aquelas linhas.

Acho que a primeira coisa a se dizer é: ESQUEÇA. Esquecer faz parte do processo, se a ideia era realmente boa, você irá recupera-la e conseguirá se lembrar dela. Se a ideia não tiver que acontecer não acontecerá, outras tomarão seu lugar. Feito isso, livramo-nos da neura, mas não nos livramos dos quatro, cinco, seis projetos que temos em mente para produzir.

Priorizar dá certo¿

Colocar em ordem de importância o que vamos fazer dá certo. Sim, na maioria das vezes. O que costuma não dar certo é o motivo da priorização. A nossa linha de produção criativa precisa ter uma razão além do querer. Esta linha depende do que almejamos quando escrevemos. Escrever para nós mesmos e para o nosso deleite sem pensar se iremos ser lidos ou não, este é o objetivo, então o querer é o determinante ideal para a prioridade. No entanto, a maioria das pessoas sãs escreve para ser lida.

Para estabelecer uma prioridade precisamos pesar a importância das variáveis.

Se você é um escritor amador ou principiante que escolheu o caminho mais difícil e o mais certo para se guiar na profissão – fazer cursos e se aprimorar, trocar ideias com seus iguais e participar de concursos para ter um destaque neste meio bastante competitivo – a sua prioridade precisa estar de acordo com os prazos e conteúdos dos concursos e com o perfil das editoras que você está buscando.

Vai escrever uma saga em três volumes, não tenha outras ideias pelos próximos anos. Dedique-se a organizar as ideias que coletou dentro da sua saga. Não tem jeito de unir aquela determinada ideia à saga? Guarde-a para depois ou faça um conto dentro do mesmo universo. É possível trabalhar mais de um projeto ao mesmo tempo, depende do quão flexível é o autor e da profundidade de sentimento envolvido na construção de seu universo.

Faça um quadro de projetos. Um rascunho, folhas de caderno. Dê notas de um a cinco, pontos positivos ou qualquer tipo de marcação para aspectos como: sua vontade de escrever sobre aquele tema; a relevância que este projeto tem para você e para o seu público alvo; a quantidade de informação que deverá ser coletada para fazer o projeto e se essa parte da pesquisa te atrai; seria interessante para as editoras e está dentro do perfil daquelas que você tem buscado e por fim avalie os prazos de produção, caso vá participar de algum concurso. Nem precisa somar as notas e os pontos positivos, já vai dar para ter uma ideia do que você pode descartar por este momento e ao que se dedicar só por ter pensado sobre.

Usando como exemplo o meu quadro de produção, tenho dois projetos para serem entregues até o final do ano, estes são os prioritários pois têm prazos e envolvem pesquisa, um deles massiva. Um projeto terminado que precisa de atenção para revisão, ou seja, o grosso da criação terminou, precisa aparar as arestas então é mais suave. Um projeto em desenvolvimento, já com começo, meio e fim prontos na fase de pós primeira revisão e primeira reescrita. Por fim um que faço por diversão, nas horas em que a cabeça pesa, mas que quero acabar. Outros dois projetos estão esperando na fila quando acabar pelo menos dois dos citados.

Colocar prazos para si mesmo ajuda muito a não engavetar ideias que foram entendidas como válidas e importantes nos aspectos citados. Não se preocupe se tiver que adiar seus prazos, o que geralmente acontece, você não é uma empresa, mas precisa se entender como um profissional. Encher seu copo com doses de prazer e responsabilidade tomando cuidado para não transbordar.

Se você é uma pessoa que faz só um projeto por vez, sinta-se invejado.

DICAS PARA O ESCRITOR INICIANTE 30 (acho) – BOLACHA RECHEADA DE PARÁGRAFOS

Vamos comparar o texto/livro a um pacote de bolachas recheadas (você pode substituir a palavra bolacha por biscoito).

Compramos o pacote pela capa, aquelas bolachas “photoshopadas” que parecem crocantes com recheio cremoso, escolhemos o sabor, eu leio um pouco o rótulo como as pessoas leem as orelhas e as resenhas dos livros.

Podemos dizer que a embalagem é a introdução do texto, o que podemos esperar da narrativa. A primeira bolacha é os parágrafos iniciais e irá nos dizer se gostamos ou não do estilo do autor. Lambemos o recheio e sentimos se o texto tem um bom conteúdo, é docinho e desliza na ideia, conseguimos sentir o gosto. Se é mole demais e desmancha muito rápido na boca. Se oferece pouca ligação, na hora da lambida ele se desgruda todo ou mesmo cheio de gordura, mas sem sabor nenhum. A embalagem dizia que o recheio era sabor limão e não sentimos nem o doce do açúcar, nem o ácido da fruta. Se estamos com fome, estamos acostumados a comer qualquer coisa ou se nos delicia vamos até o fim do pacote de uma vez sem arrependimentos.

Regra geral para se comer bolacha recheada: separe as duas metades, lamba o recheio, coma as duas metades. Regra geral da construção de parágrafos. Ideia central ou nuclear vem primeiro, ideias secundárias, que envolvem ou explicam decorrem da ideia central. Há outras maneiras de comer bolacha recheada, mas esta é a básica.

Vou usar uma frase que acabo de discutir com o amigo Giovani Arieira, para explicar o conceito de ideia central:

Ele escreveu:

A escuridão foi rompida por uma lâmpada acesa no canto da sala que iluminava só uma parte do ambiente oposta ao que Gregor se encontrava.

O mais importante nesta sentença é a luz, assim como nas subsequentes protagonista enxerga o ambiente. Mencionar Gregor pelo nome sendo ele o único personagem da trama é gordura desnecessária que tira um pouco o sabor . Reescrita ficou assim:

A luz intensa de uma lâmpada suspensa rompeu a escuridão, iluminando apenas o lado oposto à porta. (o protagonista havia entrado na sala no parágrafo anterior).

Eu gosto de comer as bolachas inteiras, sem separar, conheço quem come as partes e deixa o recheio e outros que raspam o recheio com faca para comer depois. A apresentação de um parágrafo é tão relativa quanto o modo de se comer uma bolacha recheada. Depende do assunto, da complexidade, do gênero, do público leitor etc.

O autor, no entanto, precisa saber gerir os recursos de expressão e desenvolvimento da ideia começando pelo básico.Não existe liberdade sem que se saiba onde estão as amarras que nos prendem, por isso precisamos conhecer e estudar a estrutura das frases e parágrafos para que elas não nos limitem. Um parágrafo mal construído pode sugerir ao leitor desordem de raciocínio, falta de unidade ou objetividade, acabando por enjoar e desinteressar.

Nos livros de técnicas literárias aprendemos que o parágrafo é uma unidade de composição que representa um processo completo de raciocínio dentro da ideia principal. Ou seja, o ponto central e seus contornos, o recheio e suas duas metades. Até que aparece alguém como Roberto Bolaños (não é o Chaves, pois ele gostava de churros não de bolachas) e escreve “Noturno do Chile”, um livro de 120 páginas, com somente dois parágrafos, um que ocupa quase todo o livro e outro com 8 palavras! Não significa que o autor não domina a construção do texto, significa que ele se sente tão livre que pode fazer o que bem quiser que o texto continuará tendo unidade. Muitos consideram “Noturno” sua obra-prima.

Então podemos concluir que a extensão do parágrafo é menos importante do que a coesão com o conteúdo da ideia principal.

De uma forma bem rasteira podemos dizer que o parágrafo tem que ter:

  1. Uma ideia central e principal que puxa o texto e ocupa dois ou três períodos curtos,
  2. O desenvolvimento ou explicação da ideia e
  3. Uma conclusão ou ligação para o próximo parágrafo.

“ 1- Naquela manhã perdi toda a esperança de encontrar Madalena, pois ela havia partido, de forma definitiva. 2 – A nave em que ela embarcou tinha um destino bem diferente da minha, o tempo em que ficaria em estado de suspensão, muito mais longo que o meu. 3 – Percebi que não há está coisa de destino traçado, duas metades da mesma laranja, par perfeito. Se houver o que podemos chamar de para sempre, não se aplicava a mim e a ela.”

 

Desdobramento da ideia em parágrafos

 

Recurso comum e eficiente é desdobrar uma ideia mais complexa em alguns parágrafos. Argumentar sobre ela, narrar um incidente que a explique, descrever o quadro geral, respondendo perguntas sobre o quê, quando, onde, para quem, por quê.

Trecho de O Homem Sintético de Theodore Sturgeon

“Livrou-se da embriaguez. O alcoolismo não é uma doença, mas um sintoma. Há duas maneiras de liquidar o alcoolismo. Uma é curar a causa. A outra é substituí-lo por outro sintoma. Foi esse o caminho escolhido por Pierre Monetre.

Escolheu desprezar os homens que o liquidaram e acabou desprezando o resto da humanidade, porque estava muito próxima daqueles homens.

Gozava com esse desprezo. Erigiu um pedestal de ódio e encarapitou-se nele para escarnecer da humanidade. Isso era, naquela época, a única coisa que o satisfazia. Ao mesmo tempo, morria de fome; mas, como os ricos eram a única coisa que tinha valor para o mundo do qual zombava, gozou também sua pobreza. Por algum tempo.”

Nestes três parágrafos o autor demonstra a passagem do estado de alcoólatra desiludido para sociopata lunático do personagem.

No primeiro ele diz do raciocínio de Pierre para abandonar o alcoolismo.

No segundo, onde ele aplicou esse raciocínio.

No terceiro, o como.

Abra um livro qualquer, um bom livro, escrito por um autor renomado, daqueles que tanto o público quanto a crítica gostam. Também pode ser um escritor profissional como Jay Bonansinga, responsável pela adaptação de The Walking Dead para romance, ou Timothy Zahn que adaptou Star Wars. Dê uma boa olhada na construção dos parágrafos e na sua disposição. Na próxima história que escrever pratique o que aprendeu com suas leituras e veja o quanto sua história ganha em clareza, coerência e principalmente: sabor.

8 Passos Para Escrever Seu Livro – Dicas Para o Escritor Iniciante 28

The_Writer_by_petebritney1 – Ideia

Nem sempre a ideia é a primeira a se intrometer em nossos pensamentos quando decidimos escrever. Na verdade ela é uma derivada e aparece quando expostos a informações diversas: uma foto, um desenho, um cartaz, uma situação cotidiana ou a confluência de experiências que adquirimos em livros, em fatos por vivência ou presença.

A ideia propriamente original não existe. O que existe é essa derivação que é combinada pelo escritor de uma forma singular.

Portanto, mais importante que o ineditismo da ideia é a capacidade do escritor de elaborá-la.

2 – Invenção

A ideia é um embrião, a invenção a gestação. Dar forma àquilo que ainda nem sabemos o que é exatamente. O que queremos contar? Com que propósito? Que forma terá?

Quanto mais longo é este período de invenção, mais seguro o escritor estará para colocar no papel. No entanto, adiar não significa não pensar sobre. Esta gestação precisa de trabalho e prazo, para que a ideia não se perca nos meandros dos pensamentos.

Trabalho é pesquisa e o desenvolvimentos de padrões. Todos os dias acrescentando um “gen” a mais no corpo do assunto, até que esteja pronto para ser parido.

Não quer dizer que esta ideia deva ocupar o lugar de tudo, o subconsciente vai fazer a parte dele enquanto o escritor se dedica a outras atividades.

Já abordei o tema do bloqueio criativo. (https://claudiadu.wordpress.com/2014/03/06/a-dor-da-folha-em-branco-bloqueio-criativo/) Quando o tema é bem “inventado”, o bloqueio criativo quase não acontece.

3 – Plano

Seja qual for o modo como produz (https://claudiadu.wordpress.com/2014/01/31/deixar-rolar-o-planejamento-do-enredo-dicas-para-o-escritor-iniciante-23/) o mais importante é ter em mente que as linhas não podem estar soltas. E não digo amarradas só em termos de causa-consequência narrativa, como o personagem que aparece num capítulo qualquer entregando uma encomenda que terá relação direta com o que acontece num capítulo adiante. Existem outros modos de contar uma história e nesta fase poderemos brincar de montá-la com outros elementos, desde que esses elementos enriqueçam a trama e não dispersem a ideia geradora.

Este precisa de personagens principais e secundários que se complementam, cenários que querem dizer algo para a trama, vocabulário específico para o gênero e o local da ação, definidos na fase de invenção e engendrados dentro do plano.

4 – O Rascunho

As primeiras páginas do texto parecem duras, o escritor já começou seu trabalho efetivamente, mas ele anda com pernas bambas e sem segurança, por mais apoios que sejam fornecidos ao longo das etapas anteriores. Então nos entregamos as ideias e deixamos fluir nossa verve criativa.

Algumas vezes partes ou capítulos do meio da história surgem em nossa mente e desejamos dar-lhes forma o quanto antes. Faça assim mesmo.

Neste momento não se preocupe quanto a forma, crie intimidade com a história, com os personagens, permita-se viver no seu mundo.

Passados alguns capítulos, releia e aproveite somente as partes que realmente ficaram boas. Jogue o resto fora e recomece.

A sua história já vive sem você, ela já é real. Como o desenhista que risca o papel no primeiro esboço e praticamente apaga todas as linhas da versão original, assim também é o escritor.

5 – A Evocação

O escritor tem outras atividades além de escrever aquele projeto específico. Ele trabalha para o seu sustento já que são raros os escritores que vivem de escrever. Participa de concursos literários e desenvolve outros projetos. Escreve para blogs, faz marketing do livro anterior etc.

Há muitas distrações hoje em dia que tomam parte do consciente. Em algum momento será preciso uma pausa para escrever o projeto, então ele deverá ser evocado para que a escrita se desenvolva.

Volte ao esboço, ou ao retrato meio acabado e o contemple. Leia os capítulos anteriores ou os relativos à parte que irá se dedicar a escrever, concentre-se no plano e chame a história à sua presença. Lembre-se das vozes e da importância de seus personagens e do ambiente no qual eles vivem ou irão atuar.

Então deixe que as palavras fluam com a inspiração, ou quase.

6 – A Revisão

Durante o processo de evocação, quando da leitura dos capítulos já escritos, é possível revisar erros e reconstruir alguma passagem que não ficou clara ou adequada. No entanto, a melhor revisão será aquela em que certo tempo tenha se passado desde a leitura dos capítulos.

A mente acostumada prega peças ao cérebro do escritor, então ao nos distanciarmos do livro poderemos ver com mais clareza as imperfeições. Uma incoerência aqui, um excesso de adjetivos ali, uma falha na sintaxe que fez com que o objeto naquela determinada passagem fosse mais importante que o protagonista e deveria ser o inverso etc.

Nenhuma destas revisões esporádicas elimina a necessidade de leitores beta, leitura crítica ou revisão e copidesque que serão realizadas depois da obra pronta.

7 – O questionamento

No decorrer do processo talvez o escritor tenha mudado o rumo da história, optado por inverter a sequência dos fatos, narrar o que seria previamente um diálogo ou vice-versa.

É interessante tomar nota destas alterações no plano original e observar se o efeito foi melhor.

Durante o questionamento o escritor pode optar por reescrever alguma parte de forma diferente e comparar as duas. Analisar se a quantidade de informação é suficiente para o clima que se quer criar, nem exagerada, nem escassa.

Questionar-se é parte do processo criativo, a falta de um questionamento reduz o que escrevemos ao lugar comum.

8 – Conclusão

O capítulo final tem a mesma importância do inicial, mas muitos autores não se dão ao trabalho de revisitá-lo e interrogá-lo. Dois são os principais motivos:

1 – O autor adia a conclusão por não querer se desvencilhar da obra, está apegado demais. E quando finalmente termina, não tem coragem de olhar para o que “matou” seu projeto, o último capítulo.

2 – Do lado oposto temos o autor que quer chegar ao final da trama com tanta gana que se esquece de tecer bem as linhas. Ou o trabalho foi exaustivo e complexo e ele não vê a hora de dar o último nó.

As soluções estão nos tópicos anteriores: rascunhar, jogar fora, evocar e escrever, esperar, revisar e questionar.

Muito se fala do começo do livro, que é ele que cativa o leitor. O final do livro pede ao leitor que ele indique a outra pessoa na esperança de compartilhar a emoção que sentiu ao terminá-lo.