Diálogos e seus Dramas (ou seriam Comédias?) – Dicas Para o Escritor Iniciante – 16

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Não sou bom com diálogos//Não consigo escrever sem diálogos. Que fazer?

Alguns dos aspirantes a escritores que tenho lido se limitam a descrever um ambiente/personagem na sua forma física e criar diálogos de ação, onde os personagens decidem o que vão fazer ou deixar de fazer para solucionar um problema.

Nem uma coisa nem outra. Cenários não são contexto ou objetivo se há somente descrição de espaços, cores e formas.  Diálogos não são conversas se não há a personalidade dos protagonistas funcionando por trás deles. Para as características dos personagens há outras postagens (12 FUNDAMENTOS PARA ESCREVER O OUTRO – TRADUÇÃO DO ARTIGO DE DANIEL JOSÉ OLDERwattpad.com/139667229-quero-ser-escritor-7-conjunto-dos-personagens)

O diálogo é a transformação das conversas da simbologia oral para a simbologia escrita, ou seja, as duas simbologias são diferentes. Nossa voz tem entonação, vem acompanhada de gestos e expressões faciais – linguagem corporal. São duas linguagem que representamos nos diálogos: a corporal e a oral. A escolha das palavras que possam nos remeter não só ao que foi dito, como também ao como foi dito é muito importante. Portanto, o diálogo não é a simples reprodução do falar. Dependendo do contexto muda a escrita:

– O José está?

– O Zé tá ai?

– Você sabe onde está o José?

– Sabe do Zé?

Discurso Direto e Indireto

Temos duas maneiras de reproduzir um diálogo. No discurso direto, fazemos como acima, colocamos a barra, ou outro símbolo que indique que há uma conversa onde, antes ou depois, acrescentamos uma indicação de quem está falando e o propósito da fala. Existem inúmeros verbos que utilizamos quando queremos demonstrar o propósito da fala: dizer, falar, comentar, perguntar, responder, contar etc. Você pode utilizar verbos não tão comuns para explicar este propósito: rir, chorar, decidir etc. Em ambos os casos, devemos usar parcimônia, para não cansar o leitor com muita repetição, ou muita “originalidade”.

Observe o exemplo:

– Quando chega seu pai? – perguntou João.

– Amanhã de manhã. – respondeu Mathias.

– Depois de amanhã. – disse Pedro.

– Então vamos visitar tia Maria amanhã, está decidido – disse Cátia.

– Vamos sair cedo, às oito. – disse João.

– Já estou lá! – disse Mathias alegre.

– Quando chega seu pai? – perguntou João cabisbaixo.

– Amanhã de manhã. – respondeu Mathias.

– Depois de amanhã. – esclareceu Pedro, que confirmou a chegada do voo minutos antes.

– Então vamos visitar tia Maria amanhã, está decidido – propôs Cátia, já sabendo que a sugestão iria agradar a todos.

– Vamos sair cedo: às oito. – animou-se João.

Mathias, alegre com a possibilidade de passar mais tempo com os primos, disse:

– Já estou lá!

No discurso indireto reproduzimos em texto o que seriam as falas. No exemplo acima poderíamos escrever a última frase em discurso indireto desta forma:

“Mathias, alegre com a possibilidade de passar mais tempo com os primos disse que já estava lá.”

É preciso tomar muito cuidado com o discurso indireto, existe uma série de regras de concordância para passar a sentença de direta para indireta. Um bom treino, alguns exercícios e uma tabela, podem ajudar. O discurso indireto nos permite misturar pensamentos e falas num único parágrafo, definindo a situação psicológica do personagem num determinado momento.

No ínício de Dom Casmurro de Machado de Assis, um dos maiores escritores de todos os tempos na minha opinião, temos um pequeno diálogo entre o protagonista e um passageiro.

“Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.

– Continue, disse eu acordando.

– Já acabei, murmurou ele.

– São muito bonitos.”  (Dom Casmurro, Machado de Assis)

Os que escrevem poemas – e todos escrevemos, num momento ou outro de nossas vidas: para um amor, para nós mesmos, para as estrelas – aborrecem-se como o rapaz pela atitude de Bento. Ou seja, o diálogo gerou a percepção do caráter do protagonista: taciturno, ensimesmado, vale a pena lembrar que o livro é uma confissão em primeira pessoa.

Qual as funções do diálogo?

1ª – Caráter do personagem – o escritor descreve o personagem, pode fazê-lo através de um longo parágrafo e então podemos imaginá-lo vil ou heroico, no entanto, quando este personagem interage temos exemplos do que descrevemos e a ideia torna-se mais forte e precisa.

2ª – Dramatizar – as relações entre os personagens ganham tensão e consistência.

3ª – Contar em vez de descrever – esta é uma boa ferramenta para revelar um passado, gerar expectativas, inserir um cenário.

O que não se faz com um diálogo?

Informativo – o diálogo não é pedagógico, a escrita reproduz o universo da fala, não há nada mais artificial do que um diálogo longo e descritivo. Talvez se o personagem estiver no sofá de um analista, ou um criminoso descrevendo um crime ou um arrependimento. Por exemplo, colocar um personagem descrevendo minuciosamente o funcionamento de uma máquina por linhas a fio beira o surreal.

Uniformidade – manter o mesmo tom para todos os personagens. Para reforçar o estado/caráter de um personagem, escolhemos o som das palavras, a intensidade e o comprimento das frases para o raivoso, o irônico, o romântico etc. Ao ler um livro preste atenção como os bons escritores modificam as palavras de acordo com os personagens.

Cópia – procure não copiar a realidade, se por um lado o diálogo é a boca levada aos olhos, por outro lado ele não exime o escritor da obrigação de ser criativo e mostrar ao leitor o que está nas entrelinhas.

Fora de época – Não dá para escrever como Machado de Assis, ele viveu noutra época. Traduzindo o diálogo do texto acima para os dias de hoje no metrô de São Paulo:

“- Manda ai, vai, disse eu acordando.

– Já era, murmurou ele.

– Dá hora!”

A melhor forma de melhorar nossos diálogos é ouvindo. Observe a conversa das pessoas, seus trejeitos e pontos de vista. Quem disse que ouvir o papo furado da sua vizinha não tem proveito algum?

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Sou professora e escritora. Gosto de ler e escrever Ficção Científica e Fantasia. O resto é bobagem. Livro - Matando Gigantes Contos publicados: O Desejo de ser como um rio - Amazon Gente é Tão Bom - Trasgo no. 1 O Tesouro de Nossa Senhora dos Condenados, Coletânea Piratas - Editora Catavento Lolipop, Coletânea Boy's Love - Editora Draco Monsuta - Shi, Coletânea Dragões - Draco Encaixotando Nina - Cobaias de Lázaro Invasão de Corpos - co autoria, Cobaias de Lázaro Seduzindo Oliver - co-autoria, Cobaias de Lázaro A Princesa no Escafandro Cor-de-Rosa - Contos Sonoros do Meia Lua Pra Frente e Soco Extensão - Contos Sonoros do Meia Lua Pra Frente e Soco Retrônicos, coletânea - editoração e conto O Menino Jaguar e o Escudo do Sol - Trasgo 10 Volte para o seu lar - Amazon Rede vermelha sobre o oceano de merda - Amazon Boca Maldita - Cyberpunk - Draco A Paixão e as Moscas - Entre Ficções

Posted on November 13, 2013, in Dicas Para Escritores Iniciantes. Bookmark the permalink. 2 Comments.

  1. Confesso que tenho muita dificuldade com diálogos, principalmente em universos contemporâneos.
    A maior dificuldade é que não é simplesmente você escrever a fala. Quem já fez transcrição de entrevistas e diálogos sabe que no dia a dia nossa fala é absurdamente truncada, repetitiva, cheia de “ehms, hums, aí…” Fazer apenas a transcrição deixa o texto horrível de ler. É preciso dar uma aparada, mas quanto? Aparar demais e o texto fica insosso.

    Difícil!

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